terça-feira, 5 de julho de 2016



Por Adriane Garcia


O que 53 [+ uma] mulheres do baralho traz como retrato de contemporaneidade? Corpórea, a musa desce da mitologia e do sentido espiritual para abrigar o tempo da carne.

Supostamente do feminino, este livro, cujos personagens são mulheres, fala do homem atual, sua relação com o gênero oposto. Mas também da mulher atual, de uma das mulheres na mulher atual.

Se antes, musa nominava o sopro de criação que fundava as artes e as ciências, com o tempo, a reconstrução constante da semântica desta palavra estendeu-se e simplificou-se a ponto de tornarem-se musas as mulheres bonitas que fazem um homem assoviar no meio da rua, enquanto passam. Musa passou a estar ligada não só à inspiração, mas também ao desejo sexual.

Por outro lado – e é algo que 53 [+ uma] mulheres do baralho deixa claro – acrescenta-se esta mudança inegável na prática da própria musa, o tomar-se o corpo para dar a quem bem entender, da forma como bem entender, no acordo mútuo que quiser e pelos motivos que lhes são pessoais. Não são versos de julgar, mas de mostrar. Do verdadeiro ao cômico, a poesia lúdica inquieta no retrato da transformação. 

O lugar da mulher, que neste livro parece, à primeira vista, ser na cama de um homem ou em cima ou embaixo do seu pênis, atravessada por ele, acaba por dizer que não há mais heroínas românticas. E é com essas mulheres de um sexo muito mais livre e tantas vezes não monogâmico que um novo homem deve lidar, porque os prazeres, não por condescendência, estenderam-se.

Erre Amaral, autor de 53 [+ uma] mulheres do baralho

Em tempos de discussões importantes de gênero, que ultrapassa masculino e feminino, falemos, falemos do novo que se impõe. Mas não falemos apenas das coisas sérias, pois que compareceram Erato (a musa da poesia) e Tália (a da comédia). 

Adriane Garcia, autora desse posfácio, é poeta.

0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.