segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Fotografia: Vivian Maier


Por Jean Pierre Chauvin


Era um copo como qualquer outro (circular, borda mais larga que o fundo, feito de papel), cheio até a boca com suco, “cem por cento natural”, de laranja. O sujeito tomou um gole, o segundo, e outros mais, até se fartar do sumo. 

Como carregava o smartphone numa mão e o recipiente alaranjado em outra, passou a cogitar um modo de se desfazer do objeto. “Puxa, deveria ter pedido o menor...”. Olha pela décima segunda vez para o aparelho eletrônico – “É mais difícil digitar só com a mão esquerda” –, em busca de novidades capazes de empolgar o seu mundo “Isso é muito além do virtual”, protestaria ele. 

Um minuto e doze segundos já se passaram – “Como não há lixeira na rua onde moro?”. Contrariado, faz caretas involuntárias. Maldiz a falta de educação das pessoas, a má administração que desconduz a metrópole. Sentencia: “É inadmissível que eu não tenha onde jogar o copo! Nem quero tomar mais...”.

Treze passos adiante, enxerga uma estrutura de forma quase humana a soerguer andrajos e equilibrar um prato de isopor com grãos, sem dispor de talheres (“Ele não precisa, mesmo”), enquanto mal equilibra, no ombro esquerdo, a sacola cheia de recicláveis – “Que jeito feio de comer!”. O cidadão toma um ângulo de 38 graus à direita...

...De súbito, concebe ideia brilhante. Espera que um grupo de pessoas se aproxime do morador de rua e, de modo intempestivo, para de modo triunfal diante do comitê. Burla o pequeno círculo em formação, anunciando em voz alta: “– Reparei que você almoçava sem tomar suco! Tenho esse restinho pra você! Quer?!”

Sob o olhar enojado dos outros “homens e mulheres de bem”, o pedinte aceita o copo de suco concentrado de laranja, sem quaisquer modos civilizados. “Parece um bárbaro!”. Eis a coisa, sem pejo, cerimônia ou orgulho próprio. O sujeito redescobre a sua superioridade de indivíduo que nasceu degraus acima daquele outro: “Meu gesto foi digno”. 

Desfeito do copo, o cidadão pode, enfim, responder as mensagens com maior avidez, enquanto caminha altivo e envaidecido, perante as gentes que sequer enxerga.

0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.