sábado, 21 de janeiro de 2017

Lovers in the red sky - Chagall

Por Jean Pierre Chauvin

Com certas pessoas é assim. O nome que receberam decifra a nossa essência, a cada vez que as vemos. Era julho ou agosto de 1998. Saí de uma cerimônia de casamento no Jardim Europa, em que o noivo chorava muitíssimo, e segui para uma festa oferecida por um casal de amigos. Foi lá que a vi e com quem troquei um punhado de frases, mal disfarçando o máximo encantamento com o menor efeito do álcool. Ao final do evento doméstico, mas irrestrito, por assim dizer, rascunhei um bilhete – “Leave me your number”, ao que meu amigo atentou para o emprego de melhor verbo (“Give me seria mais adequado, Jean Pierre”).
Um ou dois meses depois, o reencontro. Estávamos com o mesmo grupo de amigos num bar da Treze de Maio. Ao cumprimentá-la (tanto na chegada, quanto na partida), olhamo-nos mais longamente e o abraço durou mais tempo que o recomendado pelos protocolos sociais, em-ritmo-de-show-cover. Seu nome me acompanhava, no trabalho e nos estudos, mas questões como (meu) estado civil portentoso – enquanto ruía o casamento – e o fato de ela estar comprometida, mantinham-me em compasso de espera e com o grau de expectativa em relativa baixa. Até que...certo dia, na secretaria, recebo a ligação do mesmo amigo. “Jean Pierre, você está sentado”? A notícia era a melhor possível: ela queria me ver. Sugeriram uma pizza no Riviera, numa sexta-feira às 19h. Bruta trânsito (ainda não havia os corredores da Pauliceia). Como o ônibus não avançasse, desci no final da Teodoro, virei na Doutor Arnaldo, correndo: meia hora atrasado. Jantamos, tomamos chopes e risadas sem jeito. À saída, seguimos pela Paulista, Peixoto Gomide e Barata Ribeiro, até o apartamento do casal (o mesmo que organizara a festa doméstica, meses antes). Na tevê, um show dos Stones. Cantarolamos Start me up, Brown Sugar (“minha preferida”, ela disse). Do contato no sofá, vieram os beijos e a noite entre confissões e lágrimas. Na manhã seguinte, disse-me que eu parecia o “Eddie Vedder”, e que meus “olhos eram dois sóis”. Na despedida, inevitável, sentenciou: “I want more”. Desci com meu amigo. A esposa dele permaneceu no apartamento com a ilustre hóspede. Algo poderoso se manifestava. Um misto de ansiedade e desespero: falta de mais tempo, palavras e intensidades. Subi até a Avenida Paulista mal reprimindo as lágrimas. Inconveniente, ligo para o apartamento e minha amiga, preocupadíssima ao notar minha dicção tremida pelo orelhão, sobe gentilmente até o Conjunto Nacional. Tomamos um café, enquanto despejo um mar de sentimentos e hipóteses. Ela me assegura que o efeito havia sido similar, mas que eu não deveria sofrer. Chegando em casa, ouvi “More” até vociferar a letra. Nos dias seguintes, passei a proclamar seu nome e sobrenome aos ventos. Antecipei o pedido de separação, enviando documentos via fax. Comprei um celular (coisa rara e cara, àquela altura). Não chegamos a um acordo de onde nos encontrar (No apartamento dos amigos? Em minha casa?). Deixamos de nos ver. Meus amigos testemunharam a tremenda falta que ela fez. Percorria a Paulista inteira, como se captasse sua presença. Voltei a escutar Pearl Jam, que alternava com The Cure e Sisters of Mercy. Quando revia o casal da Barata Ribeiro, sempre perguntava por ela: ficava sabendo que não estava só. Por sadomasoquismo, investigava: “Quem é o cara? Como se chama?”.  Incomodei um par de gente recontando a história. Que história? Aquela do bilhete, a do abraço mais longo, da noite em que trocamos letra e música, encarando o escuro: Caetano Veloso e Robert Smith (Odara e A nigth like this). Sim, o medo do futuro é escuro. Algum tempo depois, ainda não devidamente recuperado dos baques, voltei a encontrar o casal de amigos e a moça. Enchi a cara na Alameda Santos, para me mostrar alegre e confiante. Portei-me como bêbado: no bar de Pinheiros, esqueci como se saía do banheiro. Dançava trôpego, sob os cuidados de meus amigos. Voltamos de táxi. No dia seguinte, a esposa de meu amigo me serviu café. Melhorei da ressaca, mas não emocionalmente. Estava tudo lá, de volta, com força renovada. Segui estragado para casa, triste pela ausência de quem estava tão distante; angustiado por ter que viver num lar em que o casamento se transformara em competição. A reconstrução foi muito lenta. Em 2003, almoçamos na Basilio da Gama. Meses depois, almoçamos no Varandas. Anunciei que me separaria. “Seus olhos combinam com a camisa”, ela disse. No ano seguinte, compartilhamos uma tarde no Shopping Morumbi (passei a escutar, sem parar, os cds do Moby que havia conseguido naquele dia). Depois, trocamos e-mails e passamos mais de dez anos sem nos ver. Voltamos a nos falar (ainda mais que antes). Jantamos, conversamos, trocamos mensagens breves (mas longamente) pelo celular. Como disse a ela, esse é meu never-ending. Em parte porque o nome que carrega traduz o fato de que renasço a cada vez que a ouço e miro. Enquanto eu a vejo partir, “as I was made of stone”, confirmo: “Even flow” e canto para os pontos cardeais: “One thing I know: I want more”. Um dos maiores privilégios de estar vivo é contar com a sua companhia.

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