domingo, 19 de junho de 2016

Chaplin em "Tempos Modernos"


Por Jean Pierre Chauvin


Alguém já terá notado a irritante mania de alguns sujeitos em se apropriar de expressões do mundo business, supondo abrilhantar o discurso próprio e conquistar corações e mentes, mundo afora. 

“Zona de conforto”, por exemplo. Acho que a primeira vez que ouvi essa locução foi numa reunião realizada há alguns anos, conduzida de modo autoritário e cheia de tiques por parte de uma ex-colega de profissão. 

Pois não é que a criatura empregava o termo cheia de si, prevendo captar a máxima atenção do auditório – chateado e sonolento –, e fazê-lo deixar seu estágio de modorra institucional? “Milagres acontecem...”, pois como não? Vivam os clichês! Eles parecem adornar a boca de gente limitada, que cultiva a tristeza alheia, na forma de censura constante. 

Ora, para os ouvintes de relativo senso crítico, tanto as palavras quanto a maneira como são expressas e as intenções que presidem o seu uso são itens indissociáveis. Naquele caso em particular, a intenção da falante era transferir para os professores uma série de responsabilidades as mais graves, a saber a aparente falta de interesse de alunos nos cursos que ministrávamos.

A questão se complica ainda mais quando o indivíduo, adorador das frases feitas, julga que a expressão soe bem aos ouvidos próprios e, como não?, da plateia. Resultado? Repetem-se as mesmas palavras – já desgastadas e fora de seu contexto original – uma penca de vezes, como se a fala mais eficaz se resumisse a uma troca simples de fonema e soasse áspera, feito munição: fala, bala.

Qual o problema, afinal, em desejarmos nos manter em nossa “zona de conforto”? Basta escutar telejornalistas especializados em disseminar o terror, ou abrir os jornais (especialmente aqueles que dependem quase integralmente da verba de seus anunciantes) para desejar que nossa casa seja inviolável, que o mundo se torne mais solidário e que preservemos alguma sensação de segurança física e estabilidade emocional.

De todo modo, ainda que ousemos abandonar, sair ou deixar a tal “zona de conforto”, quem disse que não transferiremos nossos modos de ser, sentir e conceber para uma nova esfera? Atribuir ao outro a responsabilidade pelo fracasso da “gestão” só perde mesmo para a baboseira embutida na desgastadíssima sentença “vista a camisa da empresa”. 

Em geral, sabemos bem o que isso implica: aderir ao emprego, feito segunda pele, como se ele tivesse estatuto muito maior que a nossa vida pessoal – com a vantagem de nos conferir nova identidade, transformar em logomarcas ambulantes, com direito à tacanha ética corporativa, crachá exclusivo, vale-transporte e benefícios que tais. Tsc tsc.  

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