O momento de uma estréia é único. Não apenas pela
ansiedade de ver consumado todo um trabalho prévio de concepção e construção do
pensamento artístico, mas particularmente na obra musical com a mediação do
intérprete, figura que aparece para materializar em sons o pensamento do
compositor.
E assim estava eu, dia 27 de julho, na Sala São Paulo, um ansioso
espectador para assistir a criação do mestre Gilberto Mendes. A obra Alegres
Trópicos: Um Baile na Mata Atlântica, veio ao mundo sob a batuta do
Maestro John Neschling a frente da magistral Osesp(Orquestra Sinfônica do
Estado de São Paulo).Obra que Gilberto gestou por 10
meses e que dura 20 minutos.
Enquanto ouvia os primeiros sons via o mestre do outro
lado da sala, com os olhos fixos e de mãos dadas com a Eliane. Era um garoto
olhando o mar pela primeira vez. Sentindo os sons de sua música como as ondas
do mar massageando seu rosto pela primeira vez. Em êxtase, ao ver a primeira
entrada do coro como que sentindo a lua refletindo nas águas da praia, também
pela primeira vez.
Que jovialidade senti na peça do mestre, ainda soam em meus ouvidos o
coro indo e vindo em harmonias de Debussy que resvalavam em Ravel e de repente
estávamos todos dançando um fox trot, nas harmonias de Duke Ellington, todos
envolvidos na diversidade harmônica e passando pelos timbres jazzísticos dos
musicais norte-americanos dos anos 30 e 40, por músicos como Friedrich
Hollaender, David Raksin ou nomes como Count Basie, Earl Hinnes e o pianista
Teddy Wilson, a quem Gilberto considera um Mozart do Jazz.
Enfim , nestas paisagens idílicas perdidas no horizonte era como que se
Netuno emergisse lentamente e olhando a praia bem de perto à sua frente e visse
um grupo tocando ritmos da bossa-nova ao violão... num lual posmoderno.
Uma construção fina, um baile de timbres e ritmos que seguiam como um
alucinado clip ... definida por uma
ressonância latente ,o mote de novas idéias que surgiam e sumiam...
Segundo Gilberto Mendes, “parti
de uma história infantil de minha mulher Eliane. E como ando nos últimos tempos
encantado com o mundo dos animais, achei interessante apresentá-los com seus
nomes científicos em latim". Além disso, ele cita dois poetas de nossa
querida Santos: o velho Vicente de Carvalho ("mar, belo mar selvagem")
e Flávio Viegas Amoreira ("chuva no mar é desejo").
Do Flávio Amoreira, algumas
palavras: um poeta que me impressiona
pela torrente de idéias e imagens espocando como a espuma das vagas. A sua
poesia, a um tempo vejo Borges transfigurando-se em James Joyce, interagiu harmonicamente
com as imagens musicais deste doce Baile de timbres e imagens sonoras.
Como bem definiu o crítico João
Marcos Coelho “A música
de Gilberto Mendes, sobretudo este "baile", consegue o milagre de nos
tocar física e espiritualmente sem ser descartável. Música solidamente
construída. Ou seja, é música que parece, mas não é. "Shall we dance?
Invitation à la danse/Invitation á la valse/Vamos dançar?", convida o
coro. Impossível recusar apelo tão sedutor”
E então, "o Baile acabou"?. Assim, depois de tanta música
dentro da música-literatura do mestre só espero que ela fique sempre soando em
minhas lembranças, vibrando cada acorde e cada som emitido pelo coro. Que esta
viagem siga no caminho das "espheras"
Concerto
de estréia da obra Alegres Trópicos: um
Baile na Mata Atlântica, para orquestra e coro, de Gilberto Mendes
Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo
Regência:
John Neschling
Dia
27 de julho/2007.
Sala
São Paulo
Antonio Eduardo é Professor e pianista
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