quinta-feira, 7 de janeiro de 2016


Foto: Alexandre Malanima

Por Germano Quaresma/Manoel Herzog

A morte prematura de um artista é horror. Um imortal faz passagem, não morre. Gilberto Mendes concluiu sua obra e transcendeu. Sorte de quem alcançou conhecer sua simpatia e generosidade. Não convivi com ele, tivemos um contato breve de poucas palavras e veneração de minha parte. Vários dos meus amigos artistas de Santos lhe foram íntimos, a existência não deu a mim este presente. Mas pude assistir como que sua despedida, que relato no texto abaixo, escrito à época em que o vi ser homenageado por duas bailarinas, sentado em regozijo feito um velho deus.

Nas minhas pesquisas literárias sempre cultivei o soneto enquanto forma perfeita. Mas, que é a forma, senão a servidão?
Roland Barthes preconizava que a língua é fascista, a língua é fascista, obriga a dizer e nos seus limites de língua. A forma é fascista outro tanto, não me parece que os poetas do verso livre se tenham podido libertar do jugo da língua, todos somos obrigados a escrever num conjunto de 22 letras e meia dúzia de sinais, a língua é fascista. Logo, a forma não pode aprisionar mais que a literatura em si. Mas a forma, diante da poesia verdadeira, diante da epifania, do alumbramento, é por vezes insuficiente. Constatei isto num primeiro soneto, de há mais de vinte anos, este aqui:



A INSUFICIÊNCIA DA FORMA

Quero te ver no céu, longe de tudo

Longe de tudo te encontrar, no céu
Além do Bem, do Mal, do Absoluto,
Longe de tudo que pensas ser meu

E que, no entanto, eu nunca possuí.

Mas, tu não vês minha insuficiência
Mas tu não vês que eu quero só a ti
E daí vem toda a minha ciência.

É que eu sonhei que tu eras a mais linda

Do Céu, tu não amamentavas nem
Eu trabalhava ou morava num gueto.

Não dá pra te contar o sonho, e ainda

Que um dia o possa, pra exprimir não tem
Suficiência a forma de um soneto.
Pois bem, muito obrigado, é mesmo um belo sonetinho, mas o tema da insuficiência da forma me alvejou de maneira tão absurda neste final de semana que preciso compartilhar a experiência aqui. Compareci à Festa do Livro, em Santos, na Estação da Cidadania onde, para homenagear o fabuloso maestro Gilberto Mendes puseram-se a dançar duas ninfas, Tatiana Justel e Adriana Barbieri. A visão daquela dança, a leveza dos movimentos em volta do velho deus do mar, duas sereias dançando pra um Netuno, e os olhos de mar da baialrina Adriana me sequestraram de forma tão absoluta que, ao esboçar um soneto, não me couberam as palavras nos 14 versos convencionais. Extrapolei o tamanho, e meu soneto, que nem assim disse tudo, saiu com dezesseis versos, como um vulto que extrapolasse a moldura do quadro:

E nao bastasse a leveza

Dos movimentos de naia
Como dançasse uma arraia
Doce, incensando beleza

Em volta de um mestre. Aia,

De um rei do mar, singeleza
De melodias, que tesa
Na platéia a luz espraia.

Se não bastasse essa estampa

Se não bastasse o perfume
Se eu, mariposa na lâmpada

Não me atraísse do lume.

Bem navegava entre abrolhos
Invadia, inoportuno
O mar do velho Netuno.

Mas precisava estes olhos?



Germano Quaresma é o pseudônimo de Manoel Herzog, escritor e poeta

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