quinta-feira, 7 de janeiro de 2016



Foto: Bruno Schultze

Por Rodrigo Savazoni

Estive algumas vezes com o maestro Gilberto Mendes, desde que me mudei para Santos. No ano passado lançamos, em São Paulo, livros no mesmo dia, porque fomos editados pelo mesmo editor, o Sergio Cohn e sua fabulosa Azougue. 

Eu estava lançando o Poemas a uma Mão, e o Gilberto participando do lançamento do livro da série Encontros, organizado pelo Marcelo Ariel, com entrevistas que nos ajudam a compreender sua trajetória como um dos mais singulares artistas experimentais do Brasil. Naquele dia, em São Paulo, organizei um Sarau Safado, com leitura de poemas carregados de erotismo e humor. Gilberto gostou da brincadeira e recitou de cor um poema de Bocage, de que disse gostar muito. 

Da última vez que nos vimos foi em dezembro passado, num almoço para o qual fui chamado pelo José Luiz Tahan. Gilberto fora, levado pelo grande paisagista Roberto de Sá, para conhecer o Engenho dos Erasmos, a relíquia colonial da Baixada Santista. Por isso, em nossa conversa, falamos sobre como mesmo depois de tanto tempo vivendo em um mesmo lugar ainda podemos ser capazes de nos surpreender. Gilberto me explicou que, dadas as suas escolhas políticas e estéticas, até teria feito mais sentido morar em São Paulo, onde um artista com suas características seria melhor absorvido. Mas, em Santos, dizia ele, o ar é melhor. Essa era uma preocupação porque quando menino e jovem sofreu de problemas respiratórios. Falou com certa naturalidade sobre sua vinculação com a cidade. Saí do encontro pensando que para mim é difícil pensar em Gilberto Mendes sem pensar em Santos. 

Quando soube de sua morte, lembrei-me dessa nossa última conversa e me ocorreu que, na verdade, Gilberto não era o maestro de Santos, mas sim da alma gauche e inventiva que um dia habitou esta ilha. Fui então ouvir a Sinfonia de Navios Andantes e contar para o Chico, meu filho, que o maestro tinha morrido. Durante um tempo deixei o disco que o SESC editou com músicas do Gilberto no meu carro. E era comum o Chico pedir para ouvir essa sinfonia e que passou a ser a nossa trilha nos passeios pela avenida da praia. Uma forma de manter a alma gauche da ilha viva é ouvindo o Gilberto Mendes. Ouvi-lo, afinal.



Rodrigo Savazoni é escritor e produtor cultural

0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.