segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

 Edgar Degas, Miss La La at the Cirque Fernando, 1879


Por Solidade Lima - Praxes Poéticas (cap. XII)     


         Respeitável sempre é, quando alcança ninguém, um livro. Escrevi-o assim, para um, dois, três... pouco mais, muito menos... Escrevi-o para mim, sobretudo! Não para o ego, que assola os mais insignes, mas ao Eu universal, síntese da criação. O Eu que impulsiona, máquina de sonhos, o eixo estático do mundo.
         
        Para mim, o que importa e o que sempre importou foi a poesia. A poesia da vida e do papel, do tempo e do termo em seu límpido estado de transe. A poesia que se caracol, carrossel no céu da página.                                                                             
       
      A lírica atual, entanto, (salvem-se ressalvas) é fruto de um grande fluxo e afluxo de todo um complexo intrincado de psicanalíticos conceitos, buscando ‘autoajudar-se’ e ajudar o mundo, dando sentido (aparente e superficial) às crises de identidade dentro da existência, sopro das ideias freudianas. Esquecendo-se, assim, do primaz intuito instintivo do poético: harmonizar o caos pela beleza. A beleza que transcende, também, o mero colorido imagético e o delírio do ideário através da louca dança das palavras...
        
       Lembro-me sempre de Degas e Mallarmé, quando aquele comenta com o grande poeta francês sobre um mote que lhe povoa a mente e não se sabe como invadir as resmas do papel: ‘Tenho a ideia de um poema quase pronta, mas ela ainda não se contempla completamente...' No que retruca o Vate do Livro Infinito: ‘Um poema não é feito de ideias, mas de palavras’.
       
      O trabalho com a lírica linguagem excede os meros mecanismos da comunicação, estende-se pelas vias do desregramento rimbaudiano e deságua na percepção agrupada, ciente dos ladrilhos até aqui percorridos, de olhos semi-eclipsados, entretanto, para que a razão não nodoe os fluidos da inspiração. Esta, por sinal, vituperada fielmente por aqueles que a julgam moldura do trabalho ‘braçal e suarento’ da tão famigerada transpiração. Ora, os impulsos místico-elétricos que orbitam o cerne da poesia não se sujeitam às carântulas de sentar-se frente ao sulfite ou às teclas na triste tentativa de capturar, depois de horas e eras, o poema que escapa do emaranhado de letras lançadas in loco. Há que se sublimar o espírito, abster-se do pensamento puramente científico para que, aberto aos eventos mais miraculosos e símplices do mundo (vide Barros) o verso surja e seja, sem enforcamentos técnicos, uma ‘fluição’, como um Eufrates que caminha, solícito, para a morte azul do mar. Isso na perspectiva de um, evidente, iniciado no solo dos sonhos. Aquele que, para Rilke, já superara os olhares de fora, mergulhando-se: ‘Procure entrar em si mesmo... Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?’
       
       A poesia da vida, essa cadência da alma, desaguando no atlântico das palavras, cantando a canção dos ventos por entre as pedras. Ei-la, transubmarina, segredo das conchas serpeando à tona das cristas, lexicalmente translúcida, límpida de si.


Solidade Lima ou, pseudonicamente, d.S.l. poeta. Nascido na aurora de Dezembro - 1982. Escreve, desde os tenros anos, primordialmente poesia, ensaios e máximas filosóficas. Em abril de 2014 lançou suas três primeiras poéticas obras: "As Vestes do Vento", "Inenigmática" e "Voos em Descuido". Prepara-se para outras oito líricas publicações, além de um livro de ensaios e Aforismos. Recentemente agraciado com o Prêmio Nacional de Poesias Carlos Drummond de Andrade (2014), um dos vencedores do I Prêmio de Poesia Godofredo Filho e do Prêmio de Poesias Damário da Cruz – 2013. É um colecionador de crepúsculos por natureza. Possui, no prelo, o mais novo livro de sua pulsão poética: "As lâminas do Tarô" e "Os 12 Trabalhos de Hércules - Sonetos".


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