sexta-feira, 18 de setembro de 2015


Por Erre Amaral

Wélcio de Toledo, anarco-poeta candango, transita da poesia na rua à poesia no livro como um habilidoso e performático surfista. Elabora e irradia suas tramas poéticas desde a Casa do Sol, sua psicodélica e woodstockiana residência, no aprazível Condomínio Verde em Brasília. Afanado agitador cultural e artístico na capital federal, abriu um breve espaço em sua agenda para um bate-papo divertido e esclarecedor. Confiram aí!

Erre Amaral: Quando e como você se descobriu poeta?
Wélcio de Toledo: Acho que desde adolescente. Só que a poesia sempre associada a outras questões como roquenroll, cinema e movimentos de constestação típicos da juventude de Brasília. Eu sempre gostei de escrever e fazia isso, mas sempre meio que escondido. Depois comecei a mostrar para meus amigos que tocavam e estavam mais do lado do movimento punk.
Erre: Percebo em sua poesia um flerte com uma poética marginal que revive o final dos anos 1970 e início dos 1980, há uma consciência disse em seu trabalho?
Wélcio: Sim, sim. Primeiro era mais uma associação aos movimentos de contracultura e tal, mas lá pelos dezoito anos comecei a ler muito de movimento beat e poesia marginal, além de cinema marginal e cinema novo por outro lado.


Erre: É perceptível também, tanto em Poemas, visões e outras viagens (2012) e Subversos (2014), o mesmo flerte com a poesia concreta e visual, como você lida com essas estratégias poéticas em sua escrita?
Wélcio: Sempre fui muito imagético. Sou muito ligado às artes visuais e trabalho com imagens em minhas aulas e pesquisas acadêmicas. E também flerto sim com a poesia concreta, mesmo tendo alguns senões. Acho legal essa coisa da poesia pegar pela epiderme, pelo todo, forma e conteúdo. E aí vem o meu senão com alguns concretistas que colocam a poesia como um código a ser decifrado. Acho que isso faz perder a sensibilidade na poesia. E aí vem a cilada: trabalhar com imagem e texto sem ser hermético demais e também sem entrar na obra auto-descritiva.
Erre: Sinto que sua poesia fala diretamente com o leitor, sem subterfúgios, sem mediação intelectualizantes, isso se deve à sua experiência com a poesia na rua?
Wélcio: Eu nunca pensei nisso. A minha ideia sempre foi trabalhar a beleza no texto, mesmo sabendo que o belo é algo que traz uma subjetividade muito grande. Mas por isso que digo que eu escrevo antes e sobretudo para mim. Aquilo que me toca, aquilo que me faz refletir sobre tudo, tanto sobre das minhas experiências teóricas como na rua.


Erre: O que você marcaria como diferencial entre a produção de Poemas, visões e outras viagens, lançado em 2012, e Subversos, lançado em 2015?
Wélcio: Eu vejo uma maturação na forma e no processo de escrita, embora os temas sejam parecidos. O primeiro livro é um apanhado, quase um inventário, da minha vida desde a adolescência. Há poemas escritos com 16, 17 anos, o que acho legal porque captura um "clima" da época. O segundo é mais centrado numa proposta, num projeto. Foi um livro pensado desde a sua concepção com momento de início e final. Creio que possa até mesmo ser pensado como uma continuidade, mas com novos caminhos abertos, novas viagens. Eu diria que Poemas, visões e outras viagens é um ponto de partida e que Subversos já é um caminho aberto a ser trilhado, ou seja, é meu caminho escolhido e não há desculpas nem culpas.
Erre: escrever poemas dá prazer ou sofrimento?
Wélcio: Muito prazer, mas muito trabalho também. Não diria sofrimento no sentido cristão, mas um desafio que a partir do momento que nos colocamos é uma labuta para chegar ao resultado que queremos. Mas quando sai o resultado o prazer é muito grande também.
Erre: Sei que você tem experimentos com a prosa, pretende publicar algo nesse gênero?
Wélcio: É o meu próximo desafio. Estou trabalhando num livro de contos com um viés feminino, ou seja, com a mulher no protagonismo das histórias.
Erre: É mais difícil escrever poema ou prosa?
Wélcio: A minha certeza hoje é de que sou um poeta. Estou na prosa para ver se me dá o mesmo prazer e se consigo passar o que penso da mesma maneira que com a poesia. O que sei é que a prosa me exige mais tempo e que o texto sendo maior me deixa mais agoniado ainda.
Erre: Fale um pouco sobre seu trabalho de ocupação poética em Brasília.
Wélcio: A ideia básica é reunir poetas e artistas diversos para mostrar nosso trabalho e trocar impressões. Mas também queremos mostrar que lugar de poesia é na rua e que existem vários espaços ociosos que podem servir para encontro de arte. Ou seja, é uma proposta de resistência cultural e com ações libertárias sem pedir concessão para o governo ou patrocínio, tudo na base da autogestão. Também queremos mostrar que a arte deve estar no cardápio de qualquer cidadão, temos que abrir os espaços para fazer essa oferta de peito aberto, sem pedagogismo nem moralismo. Pela minha experiência vejo que as pessoas gostam de arte, gostam de poesia e que quando abrimos isso para o público em geral a resposta é sempre positiva.


Wélcio de Toledo. Nascido em Brasília, no ano de 1970. Formado em História, com mestrado em Educação pela UnB, é professor, poeta e atua em movimentos sociais e culturais do DF, principalmente relacionados à identidade cultural, memória social, literatura e artes em geral. Iniciou na militância cultural nos idos de oitenta, na efervescência do movimento punk, brincando de elaborar letras para os amigos musicarem e panfletos que questionavam o status quo da época. Trabalha como professor e consultor de museologia social, além de organizar saraus e ocupações anarcopoéticas em espaços abertos de Brasília juntamente com outros amigos poetas.  Possui poemas selecionados no prêmio Carlos Drummond de Andrade do SESC – DF, na Coletânea Fincapé, do Coletivo de Poetas de Brasília e em diversas outras coletâneas e revistas literárias. Em 2012 lançou o livro Poemas, Visões e Outras Viagens e, em 2015, Subversos, também de poemas. Faz parte do coletivo anarcultural ACLAC – Academia Cerratense de Letras e Artes Cosmológicas, que promove intervenções e ocupações anarcopoéticas.

1 comentários:

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.