domingo, 23 de agosto de 2015

Diamantina (MG)

por Erre Amaral

para Fernando Brant

A primeira viagem da Caravana Rolidey fiz solitariamente. Foi a caravana de um homem só. Um escritor tuaregue no sertão. Dirigi-me a Padre João Afonso, distrito de Itamarandiba, norte de Minas, cidade que fica a quatro horas e pouco de Diamantina, onde moro.
Propus à querida Ângela Teixeira, aluna do curso de Licenciatura em Educação no Campo da universidade em que trabalho, a UFVJM, professora na escola estadual de nome homônimo ao do distrito em que mora. Ela topou na hora. “Claro, Erre! Façamos!”.
Arrumei minhas coisas e tomei o ônibus para Itamarandiba. Na rodoviária, me aguardavam com ansiedade duas queridas, Érica Justino e a Mariany Lima, mulheres de luta, daquelas que agarram a vida com unhas e dentes & ternura e carinho. Fui conduzido por ambas numa viagem que durou mais ou menos uma hora até Padre João Afonso, por uma estrada de rodagem que se fazia mais longa sob os pneus de um valente automóvel.
Ainda no ônibus, fui arrebatado por lembranças que há muito estavam perdidas no bagunçado arquivo de minha memória.
O nome do lugar é Guajará-Mirim, município de Rondônia, onde passei a maior parte de minha infância e adolescência. No natal de 1977, lembro de meu pai ter chegado em casa com alguns LP’s, entre eles, Meus caros amigos, do Chico Buarque. Tal disco marcou a entrada, minha e de meu irmão, Paulo, no mundo da MPB.
Em 1978, durante um período de férias, recebemos a visita de um primo, o Paulo Cássio, que morava (e ainda mora) em São Paulo, que nos apresentou a diversos/as outros/as cantores/as e compositores/as da Música Popular Brasileira, em especial, o Milton Nascimento.
A partir daí, sempre que meu irmão e eu conseguíamos juntar algum dinheiro, íamos direto para uma das duas lojas de discos da cidade, a “Som Pop” e a “Skala”, e comprávamos um disco novo da MPB.
Certa vez, o meu irmão comprou um LP do Milton no qual figurava uma canção chamada “Beco do Mota”, em que se destacavam os seguintes versos: “Diamantina é o Beco do Mota / Minas é o Beco do Mota / Brasil é o Beco do Mota / Viva o meu país”.
Foi a primeira vez que ouvi falar da cidade de Diamantina, tão longe, no tempo e no espaço, de mim e de Guajará-Mirim.
Em 1979, numa de minhas idas às mencionadas lojas de discos, comprei um LP da Simone (quando a Simone ainda era a Simone, diga-se) intitulado Pedaços. A canção que eu mais gostava de ouvir desse vinil era “Itamarandiba”, do Milton e do Fernando Brant, cujos versos: “No meio do meu caminho/sempre haverá uma pedra/plantarei a minha casa/ numa cidade de pedra” e “No caminho dessa cidade/passarás por Turmalina/Sonharás com Pedra Azul/Viverás em Diamantina” me remetiam outra vez a essa cidade que eu desconhecia completamente, mas que, vez em quando, me surpreendia entre os versos de uma e outra canção.
Conforme eu me aproximava de Itamarandiba, essas lembranças foram me fazendo estremecer, tal quando somos surpreendidos pelo desvelamento de um mistério que há muito nos acompanha, o arrepiante roçar do pano de um fantasma.
Sim, era verdade, trinta e seis anos depois de ouvir aquela canção do Milton e do Brant, interpretada pela Simone, eis que eu me aproximava da cidade de nome homônimo ao da canção, cujo verso “Viverás em Diamantina” já vaticinava um destino que eu jamais previra para mim: morar no antigo Arraial do Tijuco, onde estou há quase cinco anos.
O curioso é que tal predição não foi anunciada por um profeta, como pressupõem os assuntos ligados a ordem do sagrado. O vaticínio foi comunicado por um poeta, um errático mestre da desordem do profano. Ao vate, nesse caso, foi destinada a declaração da palavra deífica condutora de meu destino através do sinuoso e labiríntico itinerário de minha existência.
O verso de pendor drummondiano:“No meio do meu caminho/sempre haverá uma pedra” é, ao mesmo tempo, o método e a matéria com a qual a poesia tornada vaticínio lançava o meu destino ao reino mineral: a pedra, como vértice simbólico, está no centro do meu nome completo: Roberto Antônio PENEDO do Amaral. A pedra, como o tópos habitável, revela-se na cidade em que passei a viver: Diamantina, a cidade de pedra. A pedra também habita meu corpo, pois faz-se, de tempos em tempos (e que tal tempo sempre se demore, amém), em dor cruenta nos internos de minha carne, pois sou um produtor involuntário de tenazes cálculos renais.
No dia seguinte ao de minha chegada a Padre João Afonso, um belo sábado de sol, sessenta e cinco pessoas, entre adultos, jovens e crianças, me aguardavam ansiosos/as para o evento da Caravana Rolidey. Não foi sobre outro assunto que tratei com eles/as a não ser falar sobre aquilo que se fez para mim uma grande revelação: a poesia como vaticínio.

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