quinta-feira, 21 de maio de 2015

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Por Mara Lafourcade Rayel

que dormia

Seria eu dormido? Vi de longe dentro de um quadrado. Em volta estava escuro por isso a ideia de um quadrado. Seria eu dormindo? Parecia. Meus cabelos. O rosto. A respiração. Tudo eu reconhecia. Só não podia reconhecer o fato de estar ali fora do eu que sentia. Estar ali no horizonte. Ao fim dos olhos. O meu rosto semblante pousado numa fronha e ao lado nada. Somente o escuro a enquadrar o sono. De onde eu via? Quem era o eu que via. E aquele que dormia dormia sem consciência de ser visto. Sonhava quem via aquele que dormia. Sonhava que via naquele que dormia. Sonhava quem dormia. De qualquer modo alguém sonhava e alguém via e aquele que olhava sabia-se dormido porque olhava-me o que dormia.

Seja como for sonhava ou melhor via. O mais certo de tudo era que com certeza dormia. Mas que diferença faria aquilo a não ser a paralisia daquele vislumbre a não ser a catatonia naquilo que via. Mesmo isso já era falho. Não podia acreditar no que via. Não podia duvidar de que via. Só podia constatar ad aeternum que via. Mas nem isso era de crer uma vez que não era possível mais deixar de concordar que dormia. Mesmo que ver não fosse vão tudo ficara em suspenso desde então.

(extraído do livro "um a um - os poros da paisagem pólen")

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