quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015



Por Marco Aurélio Cremasco


A memória afetiva que tenho do Carnaval vem de Santa Fé (PR), cidade em que passei boa parte da minha adolescência. Santa Fé foi espécie de porto e de onde singrei sertões para estudar em Astorga, Paranavaí e, finalmente, Maringá. Carnaval inesquecível deu-se, quando do meu último ano de Faculdade, ter participado do “Amor Cegado”, um bloco carnavalesco de Santa Fé. No outro ano, aportei no Rio de Janeiro para o Mestrado, logo depois que a Estação Primeira de Mangueira, com o enredo “Caymmi mostra ao Mundo o que a Bahia e a Mangueira têm”, venceu o desfile. No ano seguinte, enquanto eu finalizava a minha Dissertação, a Mocidade Independente de Padre Miguel desfilava vitoriosa com o enredo “Ziriguidum 2001, um Carnaval nas estrelas”. Não fui a este desfile e nem a qualquer outro. Sequer participei de outro bloco, entretanto nutro admiração e respeito por esta festa, que é o Carnaval. Quando escrevo “festa”, aproximo-me do pensamento de Bakhtin no qual a associa a uma forma primordial e marcante da civilização, em que se estabelece, em clima de festa, um princípio trancendente com o mundo das ideias. Neste tipo de manifestação, relações hierárquicas, normas e regras são abolidas. Freud associa a noção de festa aos excessos e transgressões, que seriam permitidos, estando na base das expressões coletivas de alegria. Tais leituras para a festa rompem séculos e remetem-nos à Sarturnália, festival romano que ocorria no solstício de inverno (dezembro no hemisfério norte). Durante este festival, a ordem social era subvertida, em que escravos, temporariamente, comportavam-se como homens livres e para os quais entregava-se um poder utópico. Ora, a Saturnália insere-se em tal perspectiva antropológica, assim como o próprio Carnaval. A Saturnália e o Carnaval são, sobretudo, princípios de expressões populares que perpassam o tempo. Dentre tais preceitos, vem-me à mente a “Commedia dell'arte”, espécie de teatro popular que surge no século 15, na hoje Itália, e toma vulto na França no século 18. Como herança da “Commedia dell'arte”, temos três personagens que povoam nosso imaginário: Pierrot, Columbina e Arlequim. Como encontrá-los? Nos bailes de Carnaval. Pierrot é aquele que traz o rosto pintado de branco, com indefectível lágrima sob um dos olhos. Arlequim, espalhafatoso, traja roupa preta e branca com estampas em forma de losangos. Colombina está com uma saia curta de cetim (ou de seda) e um chapéu. A trama transcorre nas terras de Pantaleão, típico patrão avarento e desconfiado. Colombina, serva de Pantaleão, é descrita como uma jovem bela, fugaz, costumeiramente às voltas com intrigas e seduzida por Arlequim, um tipo espertalhão. Dissoluto e oportunista, Arlequim apronta com os demais personagens, principalmente para sacanear Pierrot, o eterno apaixonado por Colombina. Pierrot, empregado mais pobre de Pantaleão, é caracterizado por sua ingenuidade, tristeza e, junto com o patrão, alvo de piadas e escrachos. Neste espírito rebelde de trangressão ao qual a festa de Carnaval, no seu sentido antropológico, nos permite, aventuro-me a imaginar Pierrot ter o coração dilacerado por Colombina, sacaneado por Arlequim e explorado por Pantaleão. Transporto-me a um salão de festas, salão agora transformado em palco no qual a história de Pierrot reproduz o microcosmo de um país fictício. Pantaleão representaria os governantes deste país; Arlequim, os políticos; Colombina poderia ser a liberdade em construção ou a democracia em processo de consolidação. Pierrot, claro, o povo. E no País do Carnaval, jamais me esquecerei de uma das músicas entoada pelo “Amor Cegado” através das ruas de Santa Fé: Quanto riso, oh, quanta alegria/Mais de mil palhaços no salão./Arlequim está chorando/Pelo amor da Colombina/No meio da multidão.//Foi bom te ver outra vez//.../Eu sou aquele Pierrot/Que te abraçou e te beijou, meu amor//.../Vou beijar-te agora/Não me leve a mal/Hoje é Carnaval.

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