quarta-feira, 21 de janeiro de 2015


Por Marco Aurélio Cremasco

Avaendy Kuarakuraangava, no alvorecer do século 21, abriu o Livro do Gênesis, da Criação ao Dilúvio, e o tomou como exercício de reflexão. Despiu-se de qualquer intenção de polemizar ou elaborar verdades, pois um de seus temores era o de ser outro personagem apenado de Vittorio Alfieri na obra "Esboço do Juízo Final". Avaendy Kuarakuraangava foi levado à leitura bastante particular de que Deus, ao fazer surgir a luz, procurou vencer a própria solidão. A luz, aos olhos de Avaendy Kuarakuraangava, nasceu da necessidade de preenchimento. Antes da Criação havia a Solidão – pensou. Deus a tudo criou e talvez procurasse companhia para compartilhar tal novidade. Criou o homem e a mulher. Atreveu-se, Avaendy Kuarakuraangava, a imaginar a dor que Deus experimentou, tempo depois, ao ver Seus filhos ignorá-Lo. Ainda que cercado por milhares, sentiu-se vazio e decidiu chutar o pau da barraca, deitando água no Dilúvio de Noé. Ao ver Deus imerso naquele estado de solidão e da premissa de que o ser humano é a Sua imagem, não é absurdo ponderar, assim supôs Avaendy Kuarakuraangava, que a solidão é inerente à condição humana e, como tal, foi explorada por pensadores, poetas, escritores feito Aristóteles, Nietzsche, Victor Hugo, García Marquez, Baudelaire, Byron, Clarice Lispector, Érico Veríssimo. Avaendy Kuarakuraangava meditou, por semanas, que tais ícones poderiam fazer parte de uma legião seleta de anjos, que experimentaram a crueza da solidão em diversos matizes: abandono, perda, incomunicabilidade, rejeição, insegurança, indiferença, amargura, inquietação, dúvida, desespero, inutilidade e insignificância. Que anjos são esses que apresentam sentimentos tão tristes?, perguntou-se Avaendy Kuarakuraangava. A resposta, dada a Avaendy Kuarakuraangava por ele mesmo, enveredou-se no sentido de que tais anjos seriam seres humanos que comungavam o sentimento primevo da solidão, o qual transcenderia tempo e espaço para aportar no século 21, como bem lembrou Soseki Natsume: "A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso egoísmo." Assustador – avaliou Avaendy Kuarakuraangava. Enquanto distâncias geográficas são diminuídas, aumenta-se o distanciamento entre as pessoas, principalmente nas metrópoles povoadas por anjos anônimos, que buscam preencher o vazio de suas almas. Avaendy Kuarakuraangava não sabia ao certo e confessava-se não encontrar saída na sua meditação sobre a solidão. Decidiu escrever. No isolamento a ele dado pela Literatura, viu-se rodeado de anjos, arcanjos, querubins, serafins que habitavam a solidão em um paraíso recheado de torrentes oníricas e painéis trágicos. Se alguém tomasse as primeiras laudas de Avaendy Kuarakuraangava ficaria, por certo, sem ter como classificá-lo: às vezes realista... às vezes lírico; com frequência surrealista e com certo frescor niilista. Visual, pictórico, cinematográfico, sobretudo dramático e histriônico, Avaendy Kuarakuraangava traçou cenários lúgubres e dantescos em sua narrativa. Na medida em que avançava no seu universo literário, mais se encontrava imerso no labirinto de uma trama enlouquecida, condenada, marcada pelo estigma de Caim. O tema que permeou o seu livro, finalizado no apagar das luzes da primeira década do século 21, produziu um autorretrato infame e, certo modo, repugnante. Só o fato de escrevê-lo, foi o bastante para Avaendy Kuarakuraangava compreender a solidão. Mal sabia que o resultado alcançado, independentemente da qualidade de sua obra, poderia libertá-lo do deserto de si mesmo ou do oceano de solidão em que se afogara. Poderia.

0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.