terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Por Ademir Demarchi


               

                Ponto morto, de Saulo Ribeiro (2.ed., Vitória, Editora Cousa, 2014)

               Esse curioso romance que se avizinha do gênero policial é peculiar por se passar em Vitória, no Espírito Santo, numa sinalização de tendência recorrente contemporaneamente de livros desse gênero estarem sendo escritos em quantidade no país e fora do habitual centro São Paulo/Rio.
Habitual, no entanto, para não dizer convencional, é o modo como o romance é escrito, imitando o modelo recorrente e que faz sucesso em autores como o italiano Andrea Camilleri e o espanhol Manuel Vázquez Montalbán: com uma espécie de detetive-narrador que se exercita mais tempo em citações de livros, filmes, música... que em investigação ou fatos, sendo, assim, os fatos a própria cultura, numa forma de clichê desse gênero contemporaneamente em que o detetive parece entediado e muito pouco a fim de tirar a arma do coldre...
Em Ponto morto há um crime a ser investigado, o pretenso detetive percorre os meandros habitados por marginais e o capo chefe do jogo, que vivem em um ambiente carnavalesco, e em dado momento parece querer destoar disso ao inserir a história do país como um sonho. Nesse trecho, o melhor do livro, em que, compartilhando a cela com Che Guevara e Brizola, o travesti de detetive passa por pesadelos do tipo ser preso por militares, ser solto pela anistia e finalmente ser preso pelos petistas que chegaram ao governo, o que faz esse narrador concluir ironicamente que “Sade entende disso”, sendo seu mundo “uma planície” porque nasceu no “Fora Collor”.
Nesse contexto, faz todo o sentido esse detetive blasé, parecendo ele mesmo estar com a marcha num ponto morto, por ser apenas mais uma das peças insignificantes da sociedade que funciona por si mesma em sua dinâmica em que o crime, encoberto pela política, se naturalizou.  

[sugestão de leitura dada por Manoel Herzog]


Trecho do romance Ponto morto, de Saulo Ribeiro:



“Pesadelos... Muitos pesadelos... Num deles sou preso pelos militares, solto pela anistia e depois preso pelos petistas que chegaram ao governo  -  Sade entende disso. Na minha cela Ernesto Che Guevara está vivo e pergunta o tempo todo: Quanto somos? Brizola quer saber: Vivos ou mortos? Mortos, digo olhando pro Guevara que baixa a cabeça e resmunga: Creo que sea el fin de la revolución. Todo mundo que nasceu em 1977 deve sonhar coisas parecidas... Eu dormi no Fora Collor e meu mundo é a planície...” 

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