quinta-feira, 27 de novembro de 2014



Por Ademir Demarchi

Poesia use várias vezes ao dia, de Constança Lucas (São Paulo, Patuá, 2014)

Nesse livro finalmente podemos ver reunido o trabalho de Constança Lucas que, por anos e anos, quem se relacionou com ela recebeu na forma de cartões postais, sempre primando por se expressar no que ficou conhecido como “poesia visual”.            
Essa prática, em geral associada com a “arte postal”, conjuga exercícios de explorar os sentidos instituídos da arte e da literatura, buscando as frestas da experimentação informal, despreocupada com os meios tradicionais como “quadro” ou “livro” como veículos de expressão.
Graças à Patuá esses poemas visuais são agora reunidos num só lugar, sem que se perca seu caráter de experimentação, uma vez que os livros dessa editora são como “cartas” que recebemos, quer pelo primor de realização, quer pelas pequenas tiragens que os fazem luxo de alguns, porém não por serem exclusivos mas porque essa é hoje a forma possível de publicação de poesia no país.
Nos poemas visuais de Constança, primando por essa experimentação, a palavra sempre esteve presente, criando um ruído na imagem e se incorporando a ela como um conteúdo transcendente. O livro, porém, se abre com um conjunto de poemas convencionais, se assim podemos chamá-los, uma vez que as imagens que deles se sobressaem estão apenas nas palavras, pois são poemas escritos e não desenhados. A tensão de escrever, porém, para essa artista, está expressa num dos desses poemas marcados pelas palavras:

“linhas”

traço linhas espessas
contorno sons das vogais
guardo as consoantes
instantes de naufrágio,
desejos consumidos
escrevo para respirar


Eis mais alguns poemas do livro Poesia use várias vezes ao dia, de Constança Lucas:


ventanias

deste-me ventanias
recolhi as chuvas, e
desenhei com nuvens
no medo de te perder
em vão procurei
raízes nas paisagens



sento-me à beira da espera e espero


sonoras margens a nos acordar
refazem as esquinas não cumpridas,
tantos caminhos atravessados no tempo
e as palavras povoam universos
sento-me à beira da espera e espero
por vozes sinceras, observo o mar




poema sim poema não


poesia não salva ninguém que espera ser salva, poesia não reanima nada que tenha mofo, poesia não ressuscita paixões inexistentes, poesia não cura maleitas de psicopatas enrustidos, poesia não ativa ruídos desastrosos, poesia não ama gramáticas de plástico, poesia não tem identidade única, poesia não tosse na praia, poesia não deixa peles secarem, poesia não é receita de nada, poesia não poesia sim, poesia é uma trovoada de sonoridades, poesia é ritmo de palavras e corpos voadores, poesia sim é universo de multiplicidade, poesia é cantar e berrar ao mesmo tempo, poesia é entupir os tolos de ideias que nunca entenderão, poesia é forma de vida como esta e mais milhões de poemas que flutuam nas almas inquietas

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