sábado, 20 de outubro de 2012

Flávio Viegas Amoreira

Gilberto Mendes no palco do Teatro Guarany em 12/10, durante
homenagem promovida pelo grupo Quatro Quartos,
que interpretou obras
 do compositor
Hermético, ininteligível, experimental- elitista: quantos adjetivos aqueles que conhecem "santisticamente" Gilberto Mendes atribuíram a um dos mais importantes compositores e agitadores musicais latino-americanos! Atonalismo, dodecafonia, musica concreta, peças performáticas!, admirável carinho que conterrâneos de mar do maestro prestam mesmo desconhecendo ou torcendo o nariz para sua mundialmente reconhecida obra.

Gilberto Mendes ao lado de Vicente de Carvalho e Plínio Marcos forma o trio de ouro dos mais influentes artistas nascidos nesse mítico cais de Santos e, agora nonagenário, sei por que sua maior satisfação seria ter seus CDs ouvidos por uma nova geração mais atenta e ter de volta ao litoral o mais antigo Festival de Vanguarda do Brasil: o Musica Nova. Gilberto comunista, de coragem estética pungente e contestação à  caretice burguesa não combina com babaquice elogiosa de quem carece de argumentação por ignorância de seu legado inquietante. O que caracteriza o criador  de Santos Football MusicBeba Coca-Cola e Último Tango em Vila Parisi é essa quebra de paradigmas: é um amigo de rara generosidade e afável na superfície, mas implacável com o pensamento médio e a estupidez reinante.

Cresci espreitando Gilberto através de suas galáxias sinestésicas: compondo ao lado dos poetas concretistas, a partir de poemas de Drummond e Hilda Hilst sem supor que um dia seria seu parceiro em tantas canções para coral e  "atmosferas sinfônicas". Imaginar que substituiria Cecília Meireles emCavalo Azul ou teria inserido meu Chuva no Mar em Alegres Trópicos interpretado pela Osesp! são prova de ousadia ao empenhar confiança num escritor iconoclasta e sua paciência com o aviltamento cultural de nossos tempos de macdonaldização de cérebros. Enfatizo ser comédia de erros tratar como astro pop uma catedral profunda de oceânico cromatismo e sonoridades quântico-cósmicas: seu Rimsky é para ser ouvido para quem no mínimo conhece Frank Zappa, sem falar em Pierre Boulez.

Gilberto Mendes é um raro lobo da estepe só para os loucos com excesso de sensibilidade. "Escrevo porque esta atividade me proporciona um grande prazer estético. Se o meu trabalho agrada a uma minoria, sinto-me gratificado. Se isso não acontece, não sofro. Quanto à multidão, não desejo ser um romancista popular. Seria fácil demais". Esse aforismo de Wilde diz tudo: os que estimam o compositor por carinho não são exatamente aqueles poucos que conhecem seu ideal de música. Parece fácil fazer o que ele compôs, mas é abissal a capacidade de entender seus propósitos melódicos e interações de significados.

0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.