quinta-feira, 14 de junho de 2012


Feios, Sujos e Malvados é um filme impressionante, um clássico. Lançado pelo diretor Ettore Scola em 1976, ganhou o Prêmio de Melhor Direção em Cannes naquele ano e é uma espécie de última pá de cal sobre o neorealismo italiano. Mas é sobretudo um acerto de contas com aquele modo romantizado de ver a sociedade através do cinema, cujo filme Ladrões de Bicicleta, de Vittorio de Sica, de 1948, é o mais significativo.

Em Ladrões de Bicicleta de Sica mostra a vida dos trabalhadores por um ponto de vista dramático, expresso no fato de que, para conseguir um trabalho, o personagem precisa de uma bicicleta. Para tê-la, sua mulher vende os lençóis, ele consegue o emprego, sua bicicleta é roubada e ele se dana com o filho na angústia de encontrá-la para garantir seu ganha pão. O diretor demonstra uma identificação emotiva com esses personagens e suas vidas sofridas, orientado pela estética comunista que romantiza o proletariado como um ente potente cuja exploração só acabaria se houvesse união e revolução.
Anos e anos e numerosos filmes foram gastos por diretores italianos sob esses ideais que exaltavam os trabalhadores, a gente pobre e simples, glamourizando-os e enfatizando seus dramas existenciais, sua vida dura, sob um viés humanista que os colocava como bons, porém sujeitos às agruras dos maus ou de uma sociedade injusta.
Um dia esses intelectuais se cansaram, tanto desses ideais, demolidos pela carnificina perpetrada na União Soviética sob o nome do comunismo, quanto pelo que aconteceu na Itália sob o fascismo de Mussolini e depois, que chega até os dias de hoje, com o famigerado Berlusconi. São políticos e governos gerados justamente por pessoas comuns, essas que eram glamourizadas como puras e batalhadoras, mas que estão presentes na base de sustentação também de regimes como o soviético ou o nazismo na Alemanha ou nesses sistemas de sustentação midiáticos das pseudo democracias contemporâneas, que se sustentam com atos de exceção.

Ettore Scola em Feios, Sujos e Malvados faz a locação do filme numa favela, situada num morro, de onde se vê, logo abaixo, vários prédios de classe média e ao fundo, não muito distante, o centro da cidade, onde está o Capitólio, sempre mostrado imponente, se destacando, em evidente contraste com a favela.

A ação se passa num típico barraco de tapumes, em meio a lixo, esgoto a céu aberto, animais e muito empilhamento de gente completamente desregrada. O dono do barraco é um homem de uns 50 anos, com a cara já marcada por possível derrame, que recebe um dinheiro de seguro, que passa a ser cobiçado por todos os seus familiares. Nesse barraco moram ele, a mulher, vários filhos e filhas com respectivos cônjuges e proles de todos os tamanhos, empilhados e numa promiscuidade ostensiva.

Há de tudo dentro do barraco e em torno, prostitutas e travestis, ladrões, aleijados, serviçais, que descem aquele morro todos os dias para se infiltrarem em torno do Capitólio e conseguir dinheiro. O dono do barraco logo se mostra em sua sordidez que vai além da avareza, ao chantagear a nora e usá-la sexualmente para, logo mais, trazer uma prostituta para dividir a cama em que dorme com a mulher. Isso unirá toda a família contra ele, num banquete antológico, numa típica macarronada, em que tentarão matá-lo com veneno de rato para ficar com seu dinheiro.

Scola parece trazer com toda força o impulso dostoievskiano para o filme visando tirar as máscaras da glamourizada gente pobre, mostrando-a em seus vícios e sordidezes, saindo dos salões burgueses situados em torno do Capitólio e mostrando com ironia cínica os Ladrões de Bicicleta. Ri-se muito assistindo esse filme, mas é impossível não sentir o gosto daquele veneno diante das constatações a que chega Scola: a natureza humana é selvagem, parece não haver salvação.

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