quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Alessandro Atanes

O livro Santos – Natureza e Arquitetura em Fotopoemas (Vice-Rey, 2011), de Regina Alonso, lançado para receber a primavera, me traz de volta ao tema das relações entre Literatura e História na escala microscópica do universo de minha pesquisa sobre como a cidade e o porto de Santos são descritos pela ficção e como isso pode ser transformado em conhecimento sobre nossa região.

Não evito a crítica literária, mas prefiro buscar as tramas tecidas entre as letras da ficção e o conhecimento histórico, por meio de uma errância entre o livro e suas circunstâncias, buscando a História entranhada na ficção, sua “carga histórica”. Vamos então abrir algumas caixas embarcadas nestes fotopoemas.

I
Não é pelo formato de linhas e sílabas que a autora define o gênero. Ainda que não descuide da métrica, ela preferiu na introdução apresentar o haicai como “poesia predominantemente sugestiva, de efeito sensorial”.

Ainda na apresentação, Regina Alonso lembra que Paulo Leminsky já comentou a relação entre o haicai e o “ato fotográfico”, expressa também em “fotopoema”, palavra de dois sentidos: o haicai mesmo e o nome que dá título ao livro, em que cada haicai comenta uma fotografia sobre a paisagem natural e urbana de Santos e suas sugestões. As imagens são dos fotógrafos Sergio Furtado e Tadeu Nascimento e da Fundação Arquivo e Memória de Santos.

Para a minha coleção de imagens e passagens sobre o porto de Santos, trago abaixo fotopoema cujo tema é a relação entre a cidade e seu porto. É uma imagem aérea de Santos feita por Furtado: a perspectiva segue do Centro Histórico para o mar e mais de 50 navios esperam quase no horizonte (isso é efeito visual, eles estão bem perto) sua vez de atracar. A disposição deles pela baía espelha a geometria dos prédios e avenidas. E o haicai diz

Dia alongando –
Na vastidão de azul
a cidade cresce.


II

Falando em porto, abrimos a segunda caixa de historicidade. Assim como o junco, o haicai é uma cultura japonesa que chegou embarcado no vapor Kasato Maru com os primeiros imigrantes japoneses. O gênero acaba incorporado à poética em português com sotaque brasileiro. É nesse momento que o texto poético se entranha de História. A sua história é também a da imigração japonesa ao Brasil.

Nesse caminho entre o poético e o histórico se faz o haicai no Brasil, esse gênero importado por nosso porto. Talvez tenha algo a ver com o que disse Regina, as sugestões de imagens e paisagens em um país do tamanho do Brasil permitiram ao haicai se afirmar criar raízes e se tornar um gênero dos mais preferidos em nossa terra.

A autora mostra o haicai que dá início a esta história: Teruko Oda, em seu livro sobre o gênero, afirma que o primeiro haicai escrito no Brasil foi em 1908, logo após o desembarque em Santos. Seu autor é Hyôkotsu (versão haicaística de Shuhei Uetsuka), sugestionado pela proximidade entre o mar e sua Serra:

karetaki o miagete tsukinu imensen
A nau imigrante chegando:
Vê-se lá no alto
a cascata seca.

Escrever o original em japonês (ainda que o japonês transcrito em nosso alfabeto) é um sinal de respeito não só à língua, mas também aos brasileiros que falam e estudam japonês ou até aos adolescentes leitores de mangás, acostumados aos ideogramas, que poderão ser atraídos e avançar suas leituras para os haicais ou os que simplesmente gostariam de ouvir a música de outra língua.

Em outros artigos voltarei a mais fotopoemas sobre as relações entre porto e cidade.

III
A terceira carga histórica, de outras que o livro sugere, é a da política cultural da cidade de Santos. O livro foi publicado graças à implantação em Santos do Facult 2010, concurso público em forma de edital que selecionou 17 projetos culturais para contemplar com recursos de até R$ 10 mil. Santos – Natureza e Arquitetura em Fotopoemas é o primeiro deles a ir para a rua.

A publicação do edital saiu em setembro do ano passado após anos de diálogos e conflitos entre diversos integrantes do  movimento cultural com a Prefeitura de Santos e a Câmara Municipal. Houve o problema do projeção de recursos (não devemos esquecer) e dos R$ 300 mil “disponíveis” no edital, o Fundo só contava com R$ 170 mil no momento do anúncio, em fevereiro de 2011. Foi uma frustração do lado de artistas e intelectuais, mas da perspectiva da Prefeitura a coisa saiu de zero para R$ 170 mil.

Em 1º de julho de 2011, a Prefeitura publica novo edital, com R$ 130 mil em recursos, com o mesmo limite por projeto. O texto não se refere a esta questão, mas conforme correspondência que recebi assinada pelo ouvidor do município com informações da Secretaria de Cultura, é um edital complementar para se atingir os R$ 300 mil em benefícios. Devo dizer que sou parte interessada: participei do primeiro edital e fiquei de fora por causa da diferença entre recursos “disponíveis” do edital e disponíveis de verdade e estou participando do segundo, ainda em fase de seleção.

Aguardemos agora os demais trabalhos selecionados em 2010 e o lançamento do edital 2011. A produção artística e intelectual feita em Santos atingiu nos últimos anos um padrão de realização muito além da qualidade das políticas públicas. Que a instauração dos concursos para acesso ao Fundo Municipal de Cultura seja uma medida de transformação da qualidade da política pública de incentivo em nossa cidade. Parabéns a todos que lutaram por sua implantação.

Referência:
Regina Alonso. Santos – Natureza e Arquitetura em Fotopoemas. São Paulo: Editora Vice-Rei, 2011.

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