quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Alessandro Atanes, para a coluna Porto Literário do Portogente

Vivemos em Santos, assim como em outros locais do Brasil, um momento de especulação imobiliária. Após dois textos sobre o assunto, nos quais relaciono a literatura com a situação, hoje apresento o trabalho do grupo Dimenti, da Bahia, que participou da Bienal de Dança de Sesc com a intervenção Um dente chamado bico, da qual faz parte um estande de vendas de um empreendimento imobiliário, o Yemanjá Privilege (destaco o Y no lugar do I de Iemanjá anglicizando a palavra).



Podemos ver no vídeo cartazes, corretores de plantão, belas atendentes e o slogan publicitário-cafona “Seu sonho mora aqui”. Na intervenção, entramos no próprio estande de vendas, onde garçons nos servem bebidas e um pianista e uma cantora fazem versões “piano-bar” de hits do axé.

O folheto distribuído ao público da Bienal é de uma ironia que beira o sarcasmo ao mostrar as atrações do empreendimento: apartamentos ecumênicos, elevador seletivo, fish shop com jangadas, entrega de oferendas para Yemanjá via bluetooth, piscina com raia e areia sintética, sun deck com coqueiros e personalidades típicas, fitness sustentável, camareiras, lavadeiras e cozinheiras pay-per-use, 4 vagas com manobristas e wi-fi climatizado, entre outras.

A fronteira entre a ironia e o sarcasmo é cruzada no texto de apresentação do folheto, que identifica o Yemanjá Privilege como um “empreendimento BAIANO que chega a SANTOS com padrão diferenciado”. Por estarem as palavras SANTOS e BAIANO grifadas em maiúsculas, podemos concluir que o pessoal do Dimenti intencionalmente explorou o significado que costuma ser dado à palavra quando o santista, e o paulista em geral, quer se referir a algo ruim, brega, feio ou que deu errado, enquanto feio mesmo são essas torres bregas que representam o momento atual do capitalismo financeiro em sua fase barroca.

Como disse o professor José Salvador Faro, doutor e professor da pós-graduação em Jornalismo da Universidade Metodista, ao tratar dos empreendimentos imobiliários em São Paulo em seu blog:

São lançamentos que proliferam na cidade, não tanto pelo tamanho, mas pela voracidade com que se impõem aos direitos de suas vizinhanças e dos cidadãos em geral, invariavelmente capazes de seduzir o arrivismo de sua clientela: afinal, é preciso dissociar a riqueza da simplicidade e fazê-la - a riqueza - manifestação de poder e de acinte; o bom gosto e o comedimento da arquitetura que se danem!

Mas a ironia e o sarcasmo não valem nada se não alimentarem a indignação contra a especulação real que ameaça expulsar moradores da Cidade devido aos altos preços. Com essa sacada que um grupo de manifestantes distribuía em 7 de setembro, na Praça das Bandeiras, no Gonzaga, os panfletos do Yemanjá Privilege como parte de um protesto contra a especulação e a inação do poder público municipal que deixa a solução do problema para o mercado. 

Leia também:
Literatura e especulação imobiliária I - Sobre o poema Santos Revisitado, de Pablo Neruda 
Literatura e especulação imobiliária II - De Neruda nos anos 60 a Zellus Machado nos anos 90, o tema da especulação na literatura. 

1 comentários:

  1. Perfeito e eu perdi essa pérola! taí algo que venho denunciando,essa ganância,essa exclusão sistemática das famílias santistas de sua própria cidade, bairro, casa e quintal! parabens ao grupo de dança, ao seu texto, leitura e interpretação, só discordo quando vc diz que é inação do poder público, lêdo engano, é ação, é política pública de exclusão mesmo, é ideológico e é estético também.

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