quinta-feira, 2 de junho de 2011

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

Já escrevi algumas vezes sobre o contrabando de nomes em torno do Porto de Santos, esta cidade que já foi chamada de Barcelona Brasileira e de Moscou Brasileira. Os eventos recentes me trazem de volta ao assunto.
Ainda que em muitos aspectos Santos esteja se transformando em uma Dubai Brasileira (o poeta Flávio Viegas Amoreira a chamou de Dubai do brejo), ainda resta algo da Barcelona Brasileira da qual a resistência cultural da cidade é herdeira. A Trupe Olho da Rua, um dos herdeiros desta tradição progressista da cidade, deu mais uma volta nessas relações ao postar em seu blog, um atrás do outro, vídeos com cenas parecidíssimas da repressão policial em São Paulo e em Barcelona nos últimos dias.
Barcelona, Espanha
São Paulo, Brasil
A postagem anterior aos vídeos, convocando para a Marcha da Liberdade, linka, para usar um neologismo, protestos das mais diversas pautas em várias cidades: “Porque tá todo mundo (Espanha, Egito, Síria, Inglaterra, M’Boi Mirim etc.) indo pra rua pra se fazer ouvir”.
Para fechar, uma cena do romance La verdad sobre el caso Savolta, do escritor espanhol (de Barcelona, claro, nascido em 1943) Eduardo Mendoza. A ação do romance ocorre entre 1917 e 1919, período de turbulências políticas, com grande presença do anarquismo e do anarco-sindicalismo.
Na cena, um informante tanto da polícia quanto dos manifestantes chega a Montjuic, então uma prisão em uma colina (hoje ponto turístico), e presencia a execução de acusados de terem assassinado Savolta, um capitalista acionista de uma indústria de armas. A tradução é minha:
O castelo dormia. A claridade ia aumentando. Roçando o muro exterior, chegou a uma poterna [porta secundária em castelos] fechada e ladeada por ameias [pequenos parapeitos de torres] nas quais as silhuetas de dois homens abrigados em seus capotes começavam a se perfilar contra o cinza da manhã. Atravessou agachado o espaço aberto e se levantou uma vez vencido a proteção da muralha. Poucos metros mais à frente começavam os fossos terríveis de Montjuic. Pelo caminho que levava à poterna do castelo avançava um capelão montado em um burrinho como uma mulher. Identificou-se e os sentinelas lhe abriram o portão. Nemésio [o informante], do seu esconderijo, viu chegarem duas carruagens: uma transportava civis; a outra, militares. A manhã já havia se levantado e a cidade se fez visível aos olhos daquele que se ocultava. À sua frente via o cais do porto, à direita se espalhava o industrioso município de Hospitalet, cegado pela fumaça das chaminés; a sua esquerda, as Ramblas, o Bairro Chinês, o centro antigo, e mais acima, quase às suas costas, um loteamento burguês e senhorial.
(...)
Vendaram os olhos dos condenados, o sacerdote passou perto deles sussurrando uma oração, o pelotão já formado. Um oficial deu as ordens pertinentes, houve uma descarga cerrada e Nemésio desmaiou.
Pós Escrito
Os executados foram condenados sem muitas provas, assim como presos foram os personagens de outro romance, de outra Barcelona, a Barcelona Brasileira, no romance homônimo de Adelto Gonçalves sobre as greves anarquistas em Santos em 1917, que se irradiavam do porto para outros centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo. No romance, um crime de honra, uma vingança de estivadores contra um feitor, transforma-se aos olhos da polícia em um crime político, desculpa para que se iniciasse uma perseguição aos anarquistas que eram cada vez mais influentes entre os trabalhadores da cidade.
Quem são os anarquistas e quais são as desculpas de hoje para a repressão?
Referências:
Eduardo Mendoza. La verdad sobre el caso Savolta. Barcelona, Espanha: Seix Barral, 2008 (1ª ed. 1975).
Adelto Gonçalves. Barcelona Brasileira. São Paulo: Publisher Brasil, 2002.

4 comentários:

  1. eu pensava em miami e já chegou em dubai , bela definição do flávio , os vídeos são bem fortes


    diniz jr

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  2. Perdão, e já começo pedindo perdão, gosto do Flávio, mas acho que ultimamente ele anda muito reclamão. Fazer cultura depende de quem tem sangue quente nas veias. Não depende do poder. Só pra citar o começo do texto.
    Agora, a polícia, o que esperar dela senão porrada. Polícia é polícia meu chapa e tolo é quem espera arrego. Vai protestar, então vai pronto pra porrada. Também tem de ter sangue. Pelo que sei a idéia inicial era protestar em favor da maconha. E maconha não se protesta se fuma.

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  3. Adorei a Dubai do Brejo, quero ler esse livro sobre as greves em Santos daria um grande trabalho na rua.
    As coisas não estão nada buenas , como disse aqui ou em Barcelona, da eleição do conselho ao direito de expressão, só faca no pescoço.
    Belo artigo !
    abrç
    Caio

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  4. Santos não é mais, nem de longe, a Barcelona Brasileira. Por comodismo nosso, até. Estive lá há duas semanas, em viagem a serviço do jornal. Eles não se acomodam. Cobram, até, por coisas que já têm, aos olhos de um brasileiro. E exigem em catalão, pois são nacionalistas a seu jeito. Convido você e o pessoal a dar uma olhada no que escrevi em meu blog: http://reexame.blogspot.com/2011/05/outro-mundo-e-possivel.html

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