terça-feira, 12 de outubro de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

Banca de jornal no Centro de Trujillo no dia seguinte ao anúncio do Prêmio Nobel para Mario Vargas Llosa

Tive a sorte de estar no Peru quando anunciaram o Nobel de literatura para Mario Vargas Llosa. Estava em Trujillo, ao norte de Lima, na manhã de sexta-feira, dia 08, quando os principais jornais editados no Peru traziam a notícia como manchete principal. Hoje apresento o que foi publicado por dois deles: La Republica e El Comercio, ambos editados na capital.

El Comercio ressalta o caráter cosmopolita do autor com a manchete “Peruano universal”. Apesar de ser um jornal liberal (da maneira econômica), ideário do qual Vargas Llosa comunga (ele é colunista do jornal assim como do Estadão), a reportagem ressaltou seus méritos literários. Não é o que parece estar ocorrendo no Brasil. Hoje, em A Tribuna, o crítico Alfredo Monte fez a ressalva de que para o jornais brasileiros Vargas Llosa conquistou o Nobel por suas opiniões políticas, e não por sua escrita.

Bem, o el comercio trouxe uma série de entrevistas com intelectuais e escritores do Peru, de outros países da América Latina e da Espanha. O filósofo espanhol Fernando Savater, o escritor chileno Alberto Fuguet e o poeta peruano Jorge Eslava opinam que o prêmio foi dado também por sua defesa do liberalismo, ainda que Savater tenha feito uma precisa avaliação da relação entre política e literatura na obra de MVLl (sigla usada pelos jornais daqui): “Inclusive aqueles que divergiram de seus juízos – como eu mesmo – agradecemos sempre a clara e limpa precisão de suas exposições e a valentia com que se comprometeu com os argumentos em sua defesa. Sua obra literário está acima da ideologia política mas nunca pretendeu se desentender da razão política. É justo que o prêmio leve em consideração este compromisso”.

Mais à frente, o crítico literário peruano Julio Ortega, trilha o mesmo caminho: “Fomos amigos em sua época esquerdista, quando morávamos em Barcelona, e deixamos de nos ver em sua fase neoliberal. Estou feliz de poder me reaproximar dele, já que sua obra esteve sempre à esquerda dele mesmo”. E isso foi publicado por um jornal que se chama El Comercio, enquanto o jornal que publica os artigos de MVLl no Brasil demite colunista por discordar de suas opiniões (que bom seria que nossa direita fosse formada por Vargas Llosa e não Índios da Costa).

A poeta peruana Doris Moromisato espera que o prêmio seja uma forma de estimular a leitura no país: “O prêmio literário se juntará ao emblemático orgulho de pertencer ao Peru, como sua boa comida ou a beleza mística de Macchu Picchu. O impacto positivo será o aumento dos índices de leitura, pois aqueles que não conhecem suas obras se voltarão a elas e nas classes dizer Mario Vargas Llosa será sinônimo de inserção cultural no mundo”. O jornal trouxe ainda opiniões de Juan Vollorio, ensaísta mexicano, Fernando Iwasaki e Alonso Cueto, romancistas, e Carlos Germán Belli, poeta, e mais os autores peruanos Mario Bellatini, que vive no México, e Daniel Alarcón, nos Estados Unidos, além de editoriais e artigos de opinião.

La Republica foi mais nacionalista. A manchete foi um declaração curta de MVLl: “Sou Peru”; o título da reportagem foi “Vargas Llosa, nosso Nobel”. Entre as declarações, está a do crítico literário peruano Abelardo Oquendo: “Este é um reconhecimento de um reconhecimento. Todos estamos encantados, sobretudo depois de (o Nobel pra Vargas Llosa) ter sido postergado por tantos anos”. O escritor Carlos Eduardo Zavaleta, também do Peru, disse que “foi um ato de justiça” e que, finalmente, todo o Peru o “aplaude de pé”. O jornal também publicou um editorial e ainda dois artigos de colunistas sobre o prêmio.

Escrevi em janeiro aqui mesmo no Porto Literário, uma resenha sobre um ensaio de Vargas Llosa, É possível pensar o mundo moderno sem o romance?, publicado no final de 2009 como introdução do primeiro volume de A cultura do romance, projeto idealizado e organizado por Franco Moretti. Ali, ele defende a literatura como forma de conhecimento do mundo e denominador comum entre as diversas culturas do mundo. Para fechar, duas declarações do próprio Vargas Llosa apontam para estes valores. No El Comercio, ele disse:

Me dá um pouco de vergonha receber o Nobel que Borges não chegou a ganhar. É uma ausência que foi muito justamente criticada, a Academia Sueca também erra às vezes.

No La Republica, foi o seguinte:

Espero que tenham me dado (o Nobel) por minha obra literária mais do que por minhas opiniões políticas.

Mais notas do Peru em próximas postagens.

1 comentários:

  1. Olá Alessandro, parabéns pelas Notas Peruanas, ajudam a entender melhor a posição de Vargas Lhosa.

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