sábado, 9 de outubro de 2010

Alessandro Atanes

A Praça de Armas de Lima (Plaza Mayor) em 1868, alguns anos após a passagem de Darwin pela cidade

Não só no Brasil houve eleições no domingo passado: a população do Peru também foi às urnas para escolher prefeitos e se manifestar em um plebiscito. Por causa disso, o suplemento cultural El Dominical, do jornal El Comercio, publicado em Lima, trouxe uma série de relatos de viajantes e repórteres sobre a capital peruana como forma de discutir alguns dos problemas que devem ser enfrentados pela próxima administração (no meu ver, algo bem mais construtivo que o denuncismo da mídia brasileira). Em Lima desde quinta-feira passada, divido com os leitores do Porto Literário alguns trechos do que Charles Darwin escreveu sobre a cidade.

Antes, um lembrete: em setembro de 1831 Darwin tinha 24 anos e estudava para clérigo, mas seu interesse pela botânica e pela zoologia lhe garantiu o lugar de naturalista da expedição científica a bordo do HMS Beagle que o almirantado britânico havia encomendado para traçar um mapa do extremo sul do continente americano e redigir um informe sobre a flora e a fauna do continente. As informações reunidas, como se sebe, foram fundamentais para a formulação da Teoria da Evolução, que ele publicaria apenas em 1859 no livro A origem das espécies. Do diário de bordo do então jovem pesquisador, uma série de descrições sobre algumas das cidades da América do Sul, cuja parte sobre a Argentina apresentei no texto Darwin, relato científico e a história da Argentina.

Darwin esteve no Peru entre 19 de julho e 30 de agosto de 1935. Ele encontra uma Lima em convulsão política, logo após Felipe Santiago Salaverry, um jovem militar, toma o poder do presidente Luis José Orbegoso, por ele ter unido a forças ao exército da Bolívia. Salaverry governaria até o ano seguinte. Conforme reportagem anterior do El Comercio, o relato de Darwin sobre o momento é um “testemunho privilegiado”:

Nenhum estado da América do Sul foi tão castigado pela anarquia como o Peru desde sua declaração de independência. Na época de nossa visita havia quatro partidos em disputando o poder pelas armas. Se um triunfa os outros fazem uma coalizão contra ele, mas logo que estes vencem, dividem-se de novo. Faz uns dias, no aniversário da proclamação da independência, foi celebrada uma grande missa, durante a qual comungou o presidente (Salaverry). Durante o Te Deum, no lugar de apresentar a bandeira peruana às tropas, desfraldaram uma bandeira negra com uma caveira. O que se pode pensar de um governo que permite a olhos vistos a realização de semelhante cena em ocasião tão solene?

Em outro momento, Darwin descreve o porto de Callao, hoje na região metropolitana de Lima:

Callao é um portozinho sujo e mal construído; seus habitantes, como os de Lima, apresentam todos os tons entre o europeu, o negro e o índio. Pareceu-me esta povoação muita degenerada e muito dada à embriaguez. A cidade de Lima está hoje quase em ruínas; as ruas não estão pavimentadas, e nelas são vistos por todos os lugares montões de imundices jogadas fora das casas nas quais galináceos pretos, tão dóceis como frangos, procuram migalhas de carne podre. Lima, a cidade dos reis, deve ter sido antes uma cidade esplêndida. O extraordinário número de igrejas há ali lhe dá hoje, porém, um caráter original.
Em Lima, Darwin pôde desenvolver também seu lado arqueólogo:

Um dia fui caçar perto da povoação com uns comerciantes. Pobre foi a caça, mas tive a oportunidade de visitar as ruínas de um dos antigos pequenos povoados indígenas, no centro do qual há a de costume elevação parecida a uma colina natural. As ruínas das casas, dos cercados, das obras de irrigação, das colunas sepulcrais espalhadas nesta planície dão, na verdade, uma altíssima ideia da civilização e da densidade da antiga população. Considerando suas porcelanas, seus tecidos, seus utensílios de formas elegantes, talhados em pedras bem duras, seus instrumentos de cobre, suas joias ornadas com pedras preciosas, seus palácios, suas obras hidráulicas, é impossível deixar de admirar os extraordinários progressos que fizeram nas artes e na civilização.

Logo mais, algumas notas sobre a recepção pela imprensa peruana do Nobel conquistado por Mario Vargas Llosa.

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