quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Flávio Viegas Amoreira, homenagem aos 80 anos de nascimento do jornalista

Paulo Francis estaria sofrendo ou rindo muito da burrice de boutique, o varejo de besteirol, o pret-a-porter que se tornou a mídia perdida entre as novas tecnologias. Completando 80 anos não mais teria nenhuma ilusão sobre um mundo que carece de substância e entregue à "mediocracia".

Francis "inventou" com o Millôr Fernandes o jornalismo cultural no Brasil: na garra dos que leram demais, rechearam o cérebro em excesso e seguem como paradigmas da inutilidade de diploma para genialidade. Dizia que aos 16 anos já tinha todo conteúdo de uma Wikipédia: crítico de teatro feroz, ator medíocre, foi no jornalismo opiniático e sem concessões a bom-mocismo que forjou um estilo que deveria ser escola para os que pretendem-se jornalistas. "Eu entro na vida como que vai para um duelo", essa frase de Stendhal resume o verborrágico polemista que tinha um texto enxuto, contundente, quase telegráfico em sua densidade cortante: Francis antecipou nos jornais o que prolifera em blogs e sites informativos.

Em plena ditadura foi janela para a Alta Cultura cosmopolita: Ella Fitzgerald, Wagner, o balé russo, o desprezo pela falta de esforço intelectual, o sarcasmo, Gene Tierney, o respeito por Gore Vidal, a crença no Brasil de Glauber e pela América de Cole Porter, são uma mistura ao adolescente voraz num país amordaçado. Trotskista, brizolista, acabou se tornando um ferrenho defensor do finado neoliberalismo e Roberto Campos: é patético cobrar coerência dos gênios, um sábio nunca tem compromisso com seus erros e convicções irremovíveis. Só os estúpidos não mudam. Francis tinha na pretensa arrogância uma extrema defesa e máscara para profunda carência que a intelecção sobrepõe à emocionalidade excessiva. "Abaixo da superfície, era uma alma carente, comprável por um afago verdadeiro. A falta angustiada da proteção essencial. A eterna busca. A perda irredimível. Tudo, claro, dolorosamente camuflado", diz Millôr em prefácio à ótima biografia recém-lançada de Francis escrita por Paulo Eduardo Nogueira para a editora Imprensa Oficial.



Campeão de acessos no YouTube com sua antológica participação no Manhattan Connection e erros de gravação, admirado, execrado, mimetizado: "A mais próxima definição de estrela é alguém a quem nunca se pode ignorar", essa sua definição se encaixa perfeitamente ao seu lugar no firmamento daqueles poucos jornalistas alçados à condição de pensadores. Em janeiro foi lançado Caro Francis, documentário delicioso para os que desejam rememorá-lo, dirigido por seu amigo Nelson Hoineff e que agora torna-se DVD . Seus romances reeditados, suas melhores frases reunidas em compêndios, sua atenta observação do teatro brasileiro nos anos 50 e 60 compiladas, indico aos jovens jornalistas buscarem esse farol, essa referência que passou pelos mais importantes jornais cariocas, paulistanos e colaborou aqui mesmo nos anos 90 em A Tribuna. O conheci numa tarde ainda nas vindas a Barão de Limeira, em Sampa, com amigos de literatura: sua morte faz 13 anos e ainda soa inacreditável por sua imensa constância em meu pensamento.

Como dizem os argentinos sobre Gardel e sua mítica legenda, Francis nunca escreveu tão bem como ainda hoje. Morto em grande parte da mesquinhez dos despeitados, encerrou seu último texto ao Estadão direto de New York que era sua segunda pátria, com frase de Musset que tudo encerra de verdade: "Vim muito tarde para um mundo muito velho".

Aos jovens, enfatizo, conheçam esse universo chamado Francis...

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