segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Tarso Ramos

Texto lido pelo pianista e compositor neste sábado (28/08), na Casa da Frontaria Azulejada, em homenagem ao compositor Gilberto Mendes durante a I Mostra de Arte Contemporânea Caiçara


Na Frontaria, Gilberto Mendes (à esquerda, de pernas cruzadas) ouve Tarso Ramos (ao microfone)

Durante uma conversa com um apreciador de música, o mesmo citou Jean Luc Ponty, Astor Piazzolla, Arnold Schoenberg entre outros, demonstrando que realmente tem parâmetros para avaliar a qualidade em música.

Mas em certo momento, esta mesma pessoa disse algo mais ou menos assim: “um compositor que eu não gosto é Gilberto Mendes, sua música não me agrada”. Aceitei a opinião dele, mas lhe disse que a mim agrada, e fui pra casa pensando naquela frase, especificamente no “não me agrada”. Será que música deve agradar? Será que Mendes tem que agradar alguém?

Bem, se olharmos pelo lado de que o músico apresenta sua obra para um ouvinte, diríamos que sim, ele tem que agradar seu ouvinte. Mas se olharmos pelo lado do músico, ou mesmo da própria música, não, ele não tem obrigação de agradar a ninguém, muito menos a música.

Antes de defender a música, vou defender o músico. Mendes é um compositor nascido em uma época em que a música mundial já havia sido revolucionada por vários compositores e finalmente por Schoenberg com seu sistema dodecafônico, e continuava a passar por mudanças drásticas. Quando Mendes apareceu no cenário artístico brasileiro quem ditavam as regras na vanguarda musical eram John Cage, Stockhausen e Boulez, e o grande centro de estudo dessa nova música era a cidade de Darmstadt, na Alemanha, onde havia cursos voltados para essa nova forma de conceber a música, e Mendes participou de alguns desses cursos, trazendo para o Brasil toda essa bagagem.

O próprio Mendes explica que o que ele e outros músicos queriam quando voltaram ao Brasil, era fazer essa nova música, influenciada pelos europeus, mas algo que ainda teria uma linguagem original. E dali em diante, a música brasileira deveria tomar outro rumo.
Em 1963, junto com Damiano Cozzella, Rogério Duprat, Régis Duprat, Sandino Hohagen, Júlio Medaglia, Willy Correia de Oliveira e Alexandre Pascoal, Mendes assina o Manifesto Música Nova, e inicia sua vida pública com uma música que não era (e até hoje não é) compreendida pela maioria dos ouvintes, o que gera frases legítimas como “não me agrada”.

Mas Mendes faz uma música que nos mostra outros caminhos de composição, a importância de sua música, mais do que agradar ou não agradar, está no fato de ser um passo adiante no conceito sobre o que é música. Quando ele põe um coro inteiro “falando”, ao invés de “cantando” em seu Moteto em ré menor (Beba Coca-Cola), ele abre caminho para outra visão musical, daí em diante, cabe a cada compositor decidir (ou conseguir) fazer uma música nova, mas que também agrade, ou não. Se o compositor tiver em mente que sua obra deve agradar, ele cairá em um abismo de diferenças de gostos e conceitos entre uma pessoa e outra, e não conseguirá agradar a todos.

Do ponto de vista da música, a defesa é simples e rápida. Quando ela está à minha disposição como ouvinte, claro que escolho a que mais me agrada. Mas quando ela está a serviço de outra obra, como o teatro, cinema, televisão, ela deve ser utilizada em sua totalidade, com ruídos quando a cena necessitar, barulhos fortes, enfim, o que for preciso para enriquecer a cena, e não meus ouvidos.

Do ponto de vista evolutivo, devemos continuar explorando todas as possibilidades sonoras possíveis, para que não caiamos no lugar comum, para que a música esteja sempre ligada à inteligência humana, e para que não paremos no tempo.


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