terça-feira, 6 de julho de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

Vou aproveitar o centenário de Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962), e as recentes manifestações iniciadas pelo escritor Flávio Viegas Amoreira no jornal A Tribuna sobre a preservação do casarão onde morreu Vicente de Carvalho (1866-1924) para lembrar dois artigos que a musa do modernismo escreveu sobre o poeta do mar.

Os dois epítetos acima são, claro, dois lugares comuns, estereótipos. Patrícia foi bem mais que musa e o mar, apesar de grande espaço ocupado na escrita de Vicente de Carvalho, não encerra inteiramente sua poesia. Aos artigos, pois:

Em 21 de julho de 1957, sob o pseudônimo Mara Lôbo, Patrícia publica em A Tribuna Vicente de Carvalho – o poeta, em que traça um lugar único para o escritor que produziu em um momento peculiar, de transição entre o simbolismo e o parnasianismo de fins do século XIX e o modernismo brasileiro, que tem seu marco zero na Semana de Arte Moderna de 1922.

Cronologicamente, Vicente de Carvalho encerra a poesia imediatamente anterior à revolução modernista. Na poesia, ele tem o mesmo papel de Monteiro Lobato no conto e de Lima Barreto no romance. Naturalmente, cada um com as suas características próprias... 

Livre das escolas e movimentos, Vicente de Carvalho, continua Mara Lôbo, pôde desenvolver um estilo único que não tem igual mesmo entre seus contemporâneos internacionais. Resultado disso é seu Poemas e canções, de 1908, momento “definitivo”:

Sua cristalização poética é extraordinária. Vicente de Carvalho não se deixa influenciar a não ser por uma responsabilidade total do momento que vivia, e sua poesia toda está contida nos versos do livro admirável (...)

Para ilustrar, Palavras ao Mar, que o próprio Flávio Viegas Amoreira destacou em artigo recente sobre Vicente de Carvalho no qual aponta, assim como Patrícia, seu lugar único, “nem parnasiano, nem pós-simbolista ou pré-modernista, foi essencialmente ele”.  


Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo !
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, à sombra
Das palmeiras que arfando se debruçam
Na beirada das ondas – a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.

Em 19 de abril de 1959, a três dias do aniversário de sua morte, Patrícia (novamente como Mara Lôbo) volta ao poeta para tratar de uma homenagem que a Academia Santista de Letras preparava para Vicente de Carvalho.

Como dizia, não suporto Academia; não só por causa da “santista”; a “brasileira” também não me merece consideração alguma – a “francesa” idem. Trata-se bem de alergia ao acadêmico; ao que o acadêmico representa de morto. Mas, viva a Academia que comemora o Vicente de Carvalho!

Engraçado, se não fosse trágico, que Patrícia lamente que os 50 anos do Poemas e canções tenham passado “quietos na mediocridade dos dias”. Pior que o centenário, comemorado no ano passado, também ficou sem lembrança além de uma coluna (A atualidade de Vicente de Carvalho e de seus poemas e canções) e outros artigos que publiquei no PortoGente analisando a obra ou lamentando sua não republicação e uma reportagem em A Tribuna. A única editora comercial da cidade, as duas editoras universitárias e a prefeitura não republicaram no centenário de seu mais importante livro o “maior poeta da terra santista”, para acabar com outra frase de Patrícia Galvão/Mara Lôbo.

Referências:
Patrícia Galvão (como Mara Lôbo). Vicente de Carvalho – o poeta. Literatura. A Tribuna: Santos, 21/07/1957.
Patrícia Galvão (como Mara Lôbo). Uma data: Vicente de Carvalho. Literatura. A Tribuna: Santos, 19/04/1959.



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