terça-feira, 13 de abril de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

O texto de hoje é meio que um comentário ou continuação do artigo de duas semanas atrás, Atlântico e Mediterrâneo. Escrevia ali sobre as mentalidades que revelam o pertencimento cultural ao Oceano Atlântico e ao Mar Mediterrâneo, o primeiro como herdeiro do segundo. Em outras palavras, Camões como descendente de Homero ou Os Lusíadas como tributário da Odisséia.

Dos conflitos da antiguidade mediterrânica somos herdeiros ainda hoje, como se nota cada vez que olhamos para o Oriente Médio, principalmente a parte que costumava se chamar Oriente Próximo (próximo ao Mediterrâneo, é lógico), onde se localizam Israel, Síria, Líbano, Palestina e Iraque (e onde se localizavam Suméria, Mesopotâmia, Babilônia, Assíria e Anatólia).

Israelenses e palestinos são alguns dos personagens de Zohan – O agente bom de corte. Zohan, interpretado pelo comediante Adam Sandler, é um agente das forças especiais israelenses que, cansado da guerra que nunca acaba, forja sua própria morte em combate e vai atrás de seu sonho: se tornar cabeleireiro em Nova York. Ali, acaba trabalhando em um salão de uma palestina, por quem se apaixona.



Claro que não devemos esperar profundidade de uma comédia de Adam Sandler (ou devemos?), mas gostaria de notar o quanto a relação entre o protagonista do filme e a guerra ocorre por meio dos lugares, ou melhor, do pertencimento aos lugares. Para deixar o combate, só saindo do Oriente Próximo em direção ao Ocidente, cruzando todo o Mediterrâneo e todo o Atlântico rumo à América, não só a América como muitos habitantes dos Estados Unidos chamam seu país, acrescento, mas todo o continente, esta faixa de nações que, apesar da violência de seu nascimento, reúne uma grande diversidade humana de forma mais harmônica (ou menos desarmônica, depende do ponto de vista) que qualquer um dos países do Velho Mundo.

Em Nova York, o salão da palestina fica na mesma rua que a loja de eletrônicos em que trabalha um israelense com quem Zohan trava amizade. De cada lado da rua, árabes e israelenses abrem seus negócios e vendem bugigangas aos “americanos”. A terra do entendimento fica caracterizada na cena em que, após um início de discussão mediterrânica, os dois lados trocam o tema belicoso da conversa para os atributos físicos da primeira-dama Barbara Bush e das então pretendentes ao posto, senhora McCain e senhora Obama.

Vale notar que, apesar da comédia bem pastelão e de piadas sexuais uma atrás da outra, israelenses e árabes são tratados igualitariamente no filme, inclusive com o terrorista rival de Zohan e o próprio trabalhando juntos para apagar um incêndio no bairro causado por brancos que querem construir um grande empreendimento imobiliário (sem ironia com a situação de Santos, por favor).

Esse espírito americano, onde se pode recomeçar, que tanto conhecemos não só pelos filmes como também pela herança dos povos que para cá migraram, é o berço do que o pensador mexicano José Vasconcelos chamou em 1925 de a Raça Cósmica, um novo tipo humano, “fadado ao sucesso por sua mestiçagem”, como escrevi em artigo que mostra a passagem de Vasconcelos por Santos nos anos em que construía sua teoria.

Referência:
Zohan – O agente bom de cama. Direção: Dennis Dugan. Elenco: Adam Sandler, John Turturro, Emmanuelle Chriqui, Nick Swardson, Lainie Kazan e Rob Schneider. Columbia Pictures, 2008.

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