sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

Revendo alguns quadros de Benedito Calixto no domingo quente na Pinacoteca de Santos, tive a ideia de por lado a lado, dialogando, reproduções do pintor e trechos históricos e literários sobre as cenas. O resultado, longe de concluído, está aí embaixo:


Benedito Calixto, Fundação da Cidade (Museu do Café)

Saibam quantos esta escritura de demarcação virem em como no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e coarenta e cinco em onze dias do mez de março do dito ano em a povoação de Santos, termo da vila de S. Vicente, costa do Brasil, capitania de que é Governador o Senhor Martim Afonso de Souza, em a casa de morada de Braz Cubas, capitão da capitania pelo dito senhor em presença de mim tabelião e das testemunhas ai diante escritas digo adiante...
Traslado de auto de demarcação de terras de Jeribaty feita por Braz Cubas, fundador de Santos, e Luiz de Goes; fonte: Waldir Rueda.

Aqui estou eu pela primeira vez em minha vida, no porto de mar de nossa província em Santos, terra cálida, úmida, sufocante, preferida por Martin Afonso aos feiticeiros arredores da baía de Guanabara. O reverendo Güidder e Fletcher, no livro que publicaram sobre o Brasil, deram-se a perros para descobrirem a razão da preferência e... ficaram em jejum. O mesmo me acontece. Com efeito, por que teria Martin Afonso preferido isto ao Rio de Janeiro? Tudo levava a crer que era o contrário que se devia dar. Que rasgo de intuição genial, que vista interna miraculosa teria revelado ao colonizador português a superioridade imensa desta zona vicentina em que há terra roxa, em que há um clima sem rival para a lavoura, sobre a orla limítrofe, de terra vermelha, árida, sequiosa? E o caso é que sem razão aparente, sem dador aceitáveis, houve a preferência, e que essa preferência criou a primeira província do Brasil, e quiçá o primeiro dos pequenos estados livres do mundo.
Carta de Manuel Barbosa, datada de 22 de janeiro de 1887, desde Santos, para Lenita, ambos personagens de A Carne, de Júlio Ribeiro.


Benedito Calixto, Igreja do Carmo (Pinacoteca de Santos)

Entre a serra
e o mar
a maré avança
escalando buracos
cavando rochedos
os sinos da igreja
a casa do Concelho
se alastrando
– via mangue –
até o Centro.
Trecho de Esboço de estuário, poema de Alberto Martins.


Benedito Calixto, Vista da Cidade (Associação Comercial de Santos)

Eu subi ao Monserrate. (...) O que vai se desenrolando aos olhos durante a ascensão é simplesmente maravilhoso. A planície estende-se ao longe; nivelada pela natureza, coberta de uma alcatifa de mangue; a cidade, em quarteirões regulares, paralelo-gramáticos, ocupa o sopé do morro, betada de ruas calçando pardo, manchando aqui e ali por maciço verde de árvores, por uma palmeira esguia; ao fundo, de um e outro lado a serra do continente; fronteiras as colinas abruptas de Santo Amaro. O ancoradouro, o pego do Canehu e outros largos do estuário semelham chapas de aço polido, com os quais põem notas de vários tons os pontões desgraciosos, os navios que estão sobre ferro.
Carta de Manuel Barbosa.


Benedito Calixto, Praia do Consulado (Pinacoteca de Santos)

Os enormes vapores transatlânticos alemães, os esquisitos e bojudos carregadores austríacos, as feias barcas inglesas e americanas de costado branco, os mil transportes de todas as nações, entram pela ria, encostam-se à praia, varam quase em terra, afundam as quilhas no lodo negro, constelado de cascas de ostras, de ossos, cacos de louça, de garrafas, de latas, de ferros velhos, dessas mil imundícies que constituem como que excrementos de uma povoação. Comunicam com a terra por pranchões lisos, ou canelados a tabicas.
Carta de Manuel Barbosa.


Benedito Calixto, Ponte Pênsil

passar
entre margens em suspenso
como se
só no auge do silêncio
ouvisse

o balanço de uma língua-mãe
ou língua-mangue ou lagamar
a reunir em si todas as línguas

do lodo
do caranguejo
e da rã

– mas como articular em sílabas
um som que não tem centro
se o mar é tanto
e a ponte, pênsil?

Da Praia Grande ao Mar Pequeno, poema de Alberto Martins

Referências:

Valdir Rueda. Braz Cubas: Homenagem a uma vida. Santos: Comunicar, 2007.

Júlio Ribeiro. A Carne. São Paulo: Saber, sem data (1ª ed 1888).

Alberto Martins. Cais. São Paulo: Editora 34, 2002.


3 comentários:

  1. Pintura do nivel dos grandes pintores da historia, ao meu ver...

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  2. Caro Alessandro,

    Há dois anos fiz um pequeno apanhado das obras de Calixto expostas em Santos. A matéria era para ser publicada em um jornal semanal de Santos, mas o editor, do alto de de sua sabedoria, embarreirou. Então publiquei no meu blog: http://mannishblog.blogspot.com/search/label/Especiais

    Abraços e parabéns pelos escritos.

    Eugênio Martins Júnior

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  3. Olá.
    Parabéns pela página.
    Se possível eu gostaria de participar do jornal.
    Grato
    Waldir Rueda
    Historiador

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