domingo, 13 de dezembro de 2009

Alessandro Atanes, para o blog da Festa MixTape

Em alguns de seus textos e entrevistas o escritor argentino Jorge Luis Borges costuma se lembrar de uma frase, dita por alguém que já esqueci o nome, em que um leitor é Shakespeare quando lê Shakespeare. Isso é bem claro para os clássicos: somos Homero, somos Platão e Aristóteles (por que não os dois?), somos Cervantes e sobretudo Quixote. Somos Balzac, Machado, Kafka, Borges, somos Rosa.


Encomendado para tratar da literatura da última década, este texto, por sua vez, pergunta: Somos também Amoreira, Ariel, Tavares, Bolaño, Freire, Oliveira, Hatoum, Mutarelli, Aquino, Demarchi, Dicke, DeLillo? Sobrenomes por sobrenomes, a primeira lista está na frente em figuras conhecidas. Então, se nossa identificação com a literatura ocorre em grande parte pelas obras preferidas pelas sucessivas gerações de leitores, como lidamos com os contemporâneos?


Na era da hipermodernidade, de um “universo inteiro hipernomeado de sentido, hipersaturado de narrações”, como escreve Juliano Garcia Pessanha em seu novo livro (a citação foi feita pelo crítico Manuel da Costa Pinto), são os autores contemporâneos que acabam por definir o sentido das coisas, por dar significado ao mundo, por nos mostrar as cores e os cheiros do tempo presente de formas que o limitado jornalismo não ousa conceber.


Por isso, somos Flávio Viegas Amoreira e seu sentimento atlântico do mundo; somos Marcelo Ariel e a memória da Cubatão industrial dos anos 80; somos Gonçalo Tavares e Roberto Bolaño, cronistas de um mundo em que kafkiano passou de adjetivo à essência; somos Milton Hatoum e Ricardo Guilherme Dicke e um Brasil literário que é maior que São Paulo; Somos Lourenço Mutarelli e Marçal Aquino em uma metrópole esgotada; somos Nelson de Oliveira e a antecipação em uma ficção de 2005 de um apagão que derruba todo o sistema de distribuição de energia entre os estados do Sudeste, Sul e Centro-Oeste; somos Don DeLillo e a paranoia da hecatombe nuclear em que fomos concebidos; somos Ademir Demarchi e a reivindicação do tempo.


Impossível apontar qual destes e dezenas de outros autores se tornarão clássicos. Para eles, isso talvez seja uma tragédia. Para o leitor, não. Ler os contemporâneos é justamente a oportunidade de estar na história por meio da apreensão poética da vida que vivemos.

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