quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Flávio Viegas Amoreira


O Copan e um 100 em rosas de Paulo Von Poser


A década que se encerra começou sob a égide dum atentado, guerra de civilizações, mas atingindo o ponto máximo da ideação poética como concreção estética em alta escala do humano: a arquitetura. Arquitetura sempre é símbolo: as torres gêmeas sucumbiram anunciando a era da incerteza. Arquitetura é no fundamento isso: concretude vivenciada funcional ou plasticamente admirável da poética habilitada pelo traço. Quando do centenário de Oscar Niemeyer, refleti muito ao ver a homenagem de Paulo Von Poser: um número 100 de rosas encimando a topografia mais característica que a arte erigiu a São Paulo na ausência do belo natural: o Copan. Uma montanha vibrátil, Sampa pulsante.

Uma das poucas metrópoles mundiais sem acidentes geográficos evidentes, tendo matado rios e impermeabilizado possíveis paisagens, São Paulo é uma urbe metonímica: não mimetiza metaforicamente ou acompanha o entorno onde se assenta. O Rio de Janeiro é sim metafórica; Sampa contêm em qualquer canto toda carga simbólica de sua miscelânea urbana: não se molda, nada se compara, reinventa. Brasília com certeza é grande marca de Oscar, mas sua presença se faz mais contundente ainda em Sampa.

Santificar um artista é reduzi-lo ao ótimo: ótimo nem sempre é bom: o Memorial da América Latina me soa estranho, desagradável; mas todo esse mal-estar é redimido pelo Ibirapuera (mesmo descaracterizado), mas sem dúvida pelo Copan. Ali ao lado da velha igrejinha da Consolação que badala feito coreto de praça, a monumentalidade sensualíssima, a dobra que se insinua impondo um eixo redefinindo o acaso, o edifício-marco reproduz o gigantismo de colméia superposta retratando o espírito de uma civilização aberta e peculiaríssima em sua heterodoxia: a paulistana. A mesma sinuosidade do prédio do Partido Comunista Francês que tanto remete ao barroco revivido e o tropical sutilizando o acinzentado. Niemeyer é uma bandeira para questionar o nosso tempo: o mestre em luta contra os males que nos levam à barbárie cínica: a especialização tecnicista, a ausência de humanismo na funcionalidade em detrimento do maior bem que a habilidade pode legar à ação prática: sua submissão à estética. O belo espantoso, o impactante que desconcerta: a ponte do concreto armado com outras experiências da intelecção e emotividade.

Guardo sempre ao lado As curvas do tempo, as memórias de Oscar que recomendo. Traz orgulho saber que a figura que Oscar mais admirava era Sartre e o ofício da escritura. Quanta dignidade nesses dois compartilhando aquilo que também comungo: mesmo ceticismo militante, mesma desilusão seguida de vontade de luta, o mesmo sentimento de dúvida constante, mas criação apaixonada. O que fica desse Oscar já nosso arcano mítico é a existência como perspectiva multifacetada, o Copan feito interrogação à "urbe" dum cotidiano ensandecido: como arquitetura que diz: "para quê?", "para onde"? Com Oscar aprendi construir a ética sem Deus e a paixão como busca sem destino certeiro. As curvas, as ondas, os sonhos... Só a Arte como essência.

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