domingo, 6 de setembro de 2009

Alessandro Atanes

Das mesas de ontem da Tarrafa Literária, sobre as relações entre ficção, verdade e mentira, o colega de blog Marcelo Ariel tratou do encontro entre Lourenço Mutarelli e Marcelo Mirisola. Como ali o clima quase acabou em uma sessão de psicanálise (Mutarelli pelo coração aberto, Mirisola pela egolatria), prefiro tratar da mesa anterior, que reuniu Milton Hatoum, da elite literária do país, e o romancista estreante André Laurentino, em que a conversa ficou focada na atividade literária.

Laurentino, pernambucano radicado em São Paulo, preferiu mostrar sua obra a falar de si mesmo, então começou sua participação lendo um trecho de seu romance A paixão de Amâncio Amaro, um romance que começa com a conjunção "entretanto", solução precisa para uma história de um personagem com a identidade multiplicada pelos seus mais de 100 nomes:

"Entretanto, Amâncio Amaro acordou do sono intranqüilo guardando ainda a terrível dúvida: não sabia ao certo se ele era ele mesmo, ou se era outro."

Tudo combinado antes da mesa começar, Hatoum rebateu com a abertura de Varandas da Eva, primeiro conto de A cidade ilhada, seu mais recente livro:

"Varandas da Eva: o nome do lugar.
Não era longe do porto, mas naquela época a noção de distância era outra. O tempo era mais longo, demorado, ninguém falava em desperdiçar horas ou minutos."


Com o público conquistado, ou ao menos tocado, pela literatura, foi nesse campo que a conversa se desenvolveu. Sobre o tema da mesa, "Ficção, a mentira sem culpas", Hatoum acredita que a verdade na ficção está acima dos fatos: "A verdade da literatura é a verdade das relações humanas", em que "o impossível crível é melhor que o possível incrível". O colega de mesa lembrou do efeito suspensivo da realidade, o tal do contrato entre leitor e a obra, no qual o o leitor aceita um pacote de regras e dali tira suas verdades. Deu até como exemplo o fato de as pessoas reclamarem que nenhum personagem consegue identificar o Super-Homem por trás das lentes de Clark Kent, mas todos aceitam o fato de um extra-terrestre de capa com a cueca por cima das calças receba superpoderes de nosso sol amarelo.

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