quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Por Márcia Costa

“Escrevo com alvéolos e brônquios:
dou termo ao que antes me sufocaria.
Nasci com a pena como fado e fardo”


Amoreira captado pela câmera de Bruna Indalécio Cunha e Ciro Torrente Augusto Hamen, para o trabalho Retratos Biográficos da Arte de Santos (galeria à direita ou aqui )

Flávio Viegas Amoreira, como ele mesmo se define, “trabalha em grande escala por paixão e excesso de inquietude para desatar nós filosóficos e psicológicos”. Nesta entrevista-depoimento, fala o escritor, o ativista cultural, o historiador, o santista, o cosmopolita e muitos outros que compõem este artista.

Ele é o primeiro autor convidado com seu poema longo Sampoema (canto de paixão a Sampa, sua riqueza cultural e humana), a integrar a coleção Letra da Cidade (Editora Tipografia Acaia), com livros dedicados a São Paulo. O lançamento será no dia 13 de dezembro, a partir das 15h, na Livraria da Vila. Além de Amoreira, participam da coleção de amor ao universo paulistano, com textos ilustrados com xilogravuras, o escritor santista Alberto Martins e Beatriz Bracher.

Escritor e crítico literário, Amoreira nasceu em 1965 em Santos (SP). Além de Sampoema, já lançou seis livros: Maralto (2002, poesia), A Biblioteca Submergida (2003, poesia), Contogramas (2004, contos), Escorbuto, Cantos da Costa (2005, poesia) e Edoardo, o Ele de Nós (2007, romance), todos pela 7Letras Editora. Pela editora Dulcinéia Catadora lançou Os contornos da serra são adeuses do Oceano ao Cais (2007, poesia). Em 2009 pretende lançou dois livros: O vazio refletido na luz do nada, de poesia, e um ensaio sobre Santiago, o documentário de João Moreira Salles. É colaborador de vários sites e revistas literárias brasileiras e internacionais; já foi adotado como referência literária pelas Universidades de Miami, New México, Georgetown e pelo Instituto Ibero-Americano de Berlim; terá seus dois primeiros livros editados e comentados em monografia pela Miami University, com estudo crítico do brasilianista Charles Perrone; foi incluído pelo escritor e crítico Nelson de Oliveira como um dos mais inventivos autores da Novíssima Literatura Brasileira, a denominada Geração 00, que terá antologia lançada em 2009; seus livros já foram utilizados como inspiração para trabalhos do compositor erudito Gilberto Mendes, para artistas plásticos como Fabrício Lopez e Paulo Von Poser e para uma coleção de alta costura pelas mãos da estilista Sandra Machado.

É historiador e agitador cultural no Litoral Paulista e colaborador do jornal A Tribuna de Santos.

Seu envolvimento com o mundo da literatura começou quando criança, quando você já era um admirador das letras. Quando você pôde se considerar um escritor?
O desejo pela escritura é epidérmico, me alimento desde tempos imemoriais: seria um atributo genético de apreender o mundo que escapa em palavras, além do gozo quase genital da expressão advinda de minhas ramificações neuronais, sinápticas e telúricas com a existência como abismo que se abre em minhas entranhas e não consome: é consumando pela literatura, essa arte que brota do esforço e orgasmo de pensar escrevendo. Mais que interesse: necessidade é o que brota dessa sensual mirada para o universo e o devir congelado se desdobrando em rizomas de significação.

Achar uma língua, um dialeto único que se multiplique como as tentativas de Rimbaud e Artaud de fazerem da literatura uma convocatória, uma exigência, uma disponibilidade que não cessa mesmo quando se põe a caneta de lado. Deleuze chamará de real dominante a convergência, operação de aprisionamento das figuras de expressão (regidas por signos partículas) nas formas impostas do significante: a palavra foi guiando como quem engatinha numa sopa de letras imaginada e construída. Como diz meu amigo André Queiroz em seu Antonin Artaud, meu próximo sobre Blanchot : na impossibilidade do pensamento “se pensar”, escrevo torneando todos sentidos meus e da escritura. A literatura que faço é um coito interrompido entre proposta de entendimento caótico com a busca etéreo-utópica de orgasmos múltiplos de significação gozoza.

Curtição da linguagem é o que componho. Meu primeiro espanto? Com nomes, palavras, termos, organizações etimológicas, a designação dum signo, a superfície lingüística diante dum oceano de profundidade sem síntese me extasiaram desde sempre: por que Mar chama Mar e assim chamando mesmo que em meu idioma se torna tão deliberadamente aquoso, denso, uterino? Resgato Deleuze em Lógica do Sentido: “Trata-se de fazer da palavra uma ação tornando-a indecomponível, impossível de desintegrar: ´linguagem sem articulação'. Mas o cimento aqui é um princípio molhado, a-orgânico, bloco ou massa de mar”.

Os signos moles, meu tesão pelo jogo de tentar reter o irreproduzível, antecedem até consciência da libido: a escritura, a literatura antecederam em mim a sexualidade em sua inteireza. A literatura me moldou: me escolheu como quem unge e condena, é um aprisionamento voluntário do qual carrego um molho infinito de chaves. Literatura jogo, meu segundo corpo, alma dissolvida. Quem sabe por isso Kafka tenha sido grande impacto: um autor a que sempre retorno com cautela depois da leitura de A metamorfose, aos 12 ou 13 anos, a barata deu vasão a um barato que me possui sem trégua: botar tudo-todo-ao-mesmo-tempo em fileiras frásicas e sintagmas desdobráveis. Cito outro marco em meu caminho, Clarice Lispector: “Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria vago e sufocador”. Escrevo com alvéolos e brônquios: dou termo ao que antes me sufocaria. Nasci com a pena como fado e fardo.

Fale um pouco sobre a sua produção literária e a importância (ou peculiaridade) de cada livro seu para a sua constituição como escritor.
Minha obra foi pensada como corpus organicamente elaborado: retive cadernos de notas da adolescência aos 30 anos, “as reservas poéticas”, como diz Maiakovsky: esboços, anotações do cotidiano, delírios etílicos, lances cósmicos de minha visão estilhaçada e cósmica do processo de viver. Literatura exige maturidade, bagagem, conteúdo: não existe autor “naif”.

Meu primeiro “ajuntamento” deu-se na reunião dos poemas que levaram nome de Maralto: na verdade, uma evocação “criptomnésica” de Drummond: tinha lido esse belíssimo poema do mestre de Itabira e não me dei conta que ele estava no meu encalço: tinha que ser “Maralto”. Entrei em contato com editoras e tive meu projeto aprovado pela 7Letras do Rio de Janeiro, que editaria mais 4 livros. Sou grato a Jorge Viveiros de Castro, foi pelo Rio que iniciei minha trajetória editorial. Maralto carrega marcas temáticas e formais que me definiriam: o desejo homoerótico, a questão ontológica e o sentimento atlântico do mundo.

Maralto foi editado na virada do século, logo seguido em 2003 pela A Biblioteca Submergida, uma sobreposição de “proesia”, termo utilizado por Décio Pignatari e pelo mais respeitado crítico da Nova Literatura Brasileira, Nelson de Oliveira. Inspirei-me numa belíssima canção de Chico Buarque de Holanda, Futuros Amantes, e de substratos oníricos: um dilúvio de signos, conceitos, obsessões sempre se apresentam em meus sonhos e fissuras. Em 2004, produzi Contogramas, título advindo de uma contração entre contos + epigramas: narrativas curtas como em Baudelaire e Cortázar ou mesmo no Kafka do Médico Rural: contos são apaixonantes de ler e escrever: Hoffmann, Gogol, Maupassant, Tchekhov deram tom e seguem me influenciando na feitura dessas short stories: quem sabe tenha feito como Robert Altman: roteiros poetizáveis ou estórias ensaísticas feito os blocos de Fernando Pessoa no Livro do Desassossego. Escorbuto, Cantos da Costa foi poetização camônico-haroldiana da obra genial do compositor Gilberto Mendes: ali lanço toda água de lastro ruminadas feito mantras referentes ao Oceano-Mar como metonímico símbolo da existência e do espelho galáctico. Escorbuto, Cantos da Costa deu-me enorme visibilidade e prestígio acadêmico, além de ser musicado pelo próprio maestro Mendes, ter se tornado xilogravuras pelas mãos poderosas do artista plástico Fabrício Lopez e mais recentemente ter dado suporte à Alta Costura e moda inventiva da estilista Sandra Machado.

Desde 2000 tenho editado todos anos, exceto num hiato em 2006: em 2007 dei vazão a um empreendimento em prosa com maior fôlego: Edoardo, o Ele de Nós, que veio-me com trama ou argumento esparramando em ato digressivo a partir do seguinte entrecho: a perda dum companheiro no 11 de setembro por um brasileiro residente em porto indeteminado da costa tropical.

Abordo compulsão, solitude, falta de interlocução e a construção de uma terceiro ´ente´ num caso amoroso. Esse meu quinteto pela 7Letras Editora. Ainda em 2007 participei da coleção Dulcinéia Catadora, projeto fascinante de livros reciclados: Os contornos da serra são adeuses do Oceano ao Cais, quando juntei poemas da juventude (entre 15 e 20 anos ) também reciclados pela maturidade e que contêm uma peça de um só ato: Pedro, releitura gay da Fedra de Racine. Dulcinéia Catadora é um experimento revolucionário de cunho social-ecológico e vanguardista: estou aí junto a Haroldo de Campos, Glauco Matoso, Jorge Mautner, Manoel de Barros e meus contemporâneos Marcelo Ariel e Ademir Demarchi. Quem quiser conhecer o projeto, sugiro visitar o mais democrático e revolucionário site literário brasileiro: http://www.meiotom.art.br/, do escritor Carlos Pessoa Rosa, que com Lúcia Rosa empreendem essa miraculosa aventura de disseminar livros a partir daquilo que o capitalismo excreta e que é turbinado em Alta Literatura. Encerro 2008 lançando o poema longo Sampoema editado por uma coleção denominada Letra da Cidade, outro estímulo intertextual promovido por Fabrício Lopez: poesia ilustrada com xilogravuras. Tenho 2 livros para lançamento: O Vazio refletido na luz do nada e um ensaio sobre a obra do documentarista João Moreira Salles: Santiago além de João. Tenho textos e releituras da realidade para inumeráveis livros: trabalho em grande escala por paixão e excesso de inquietude para desatar nós filosóficos e psicológicos.

Como é sua relação com a cidade de São Paulo e como surgiu o convite para participar da coleção Letra da Cidade?
Minha relação com São Paulo é um corte na Alma: sinto-me dividido como navegante entre a disposição oceânica do litoral que me provoca um plano de fuga ao mundo e a megalópole estranhíssima que deparo depois de atravessar a selva do Mar: uma selva entre simbólico e o real: Sampa deixou de oprimir pelo caótico humano desde quando percebo que o profundo marinho é infinitamente mais desafiador. Sampa são rostos: única metrópole do Ocidente sem geografia, sem topografia aparente: rios mortos, nenhum horizonte, um deserto de acidentes naturais carregado de signos metonímicos de seus tentáculos artificiais: Rio e Santos são metafóricas, mimetizam a Natureza do entorno, Sampa é pura invenção de habitabilidade, alteridade e convivência: cidade humaníssima no mais dramático cotidiano que dilui toda tragicidade: locais não fazem um ambiente, o MASP poderia ser transposto como o Ibirapuera para qualquer outro sítio, no entanto, o mix de toda essa parafernália de bens e serviços reforçam a soma de todas as contingências provocadas pela urbanização aleatória: são vidas que se contam: enfatizo que Sampa é a soma rostos de circunstâncias anonimamente compartilhadas. Os sebos, as velhas livrarias, a Paulista que dá algum nexo aglutinante nesse disparate de esparramo, a Praça Benedito Calixto e a Vila Madalena são alguns ambientes donde espreito o bulício, o caótico e o generoso lance de dados entre desconhecidos: um bar na calçada fazem Baudelaire e Walter Benjamin se sentirem perdidos em suas descrições do flaneur e da urbe européia. Sampa é outra coisa de lado algum: me tira da pior solidão, a solidão intelectual: Sampa me integra ao melhor da Literatura e Artes brasileiras: hoje é Sampa que as coisas rolam e fixam: da Mercearia São Pedro à Casa das Rosas, a Alta Literatura se faz pelas alamedas oswaldianas... Euclides diz desse meu roteiro: “A serra do Mar tem um notável perfil em nossa História. A prumo sobre o Atlântico desdobra-se como a cortina de baluarte desmedido... no alto, volvendo o olhar em cheio para os chapadões, o forasteiro sentia-se em segurança”. Sampa é assim a grande boca ao de dentro, ao continente anteposto ao marinho que também magnetiza: o litoral me naturaliza, Sampa me civiliza.

Várias cidades num platô a perder de vista: invisíveis como as terras de Ítalo Calvino. Arlequinal, anti-paradisíaca com bares-oásis que me dão um trago para entrar na alma dum estranho que passa: sou Walt Whitman em Sampa: vejo estranhos que passam e neles ponho meu coração sem alarde ou conseqüência. “Meu coração sente-se muito alegre! Este friozinho arrebitado / dá uma vontade de sorrir / E sigo. E vou sentindo, à inquieta alacridade da invernia, como um gosto de lágrimas na boca...” – esse trecho da Paulicéia Desvairada do mestre Mário de Andrade faz refletir: em Sampa tenho mais sentimento que só sensações e as sensações são adagas cortantes em segundos: vejo um transeunte sempre como epifânico encontro e despedida: para onde vão esses que habitam momentaneamente minha mente e o banco ao lado? Que pegadas deixarão os nunca-mais-na-estrada? Minha Paulicéia é desvirada: irrompe em mim um turbilhão de desejos e possibilidade que passam na quietude da volta, quando desço a serra e deparo o cristal silencioso do Atlântico: ele me apacenta e diz: tudo torna à onda, os rostos se fixaram na minha interinidade relatada: passarei e deixarei Sampa possível de testemunho num verso inacabável. Sinto-me bissexualizado entre a costa e o ouro bandeirante: Sampa é refúgio que me sacode e faz reviver.

Como foi o processo de produção de Sampoema?
O projeto Letra da Cidade é derivado da ação da ONG Atêlie Acaia, que mantêm um centro sócio-cultural na Vila Leopoldina na Zona Oeste da capital; fui convidado por Fabrício Lopez do Atêlie Coringa, um importante centro de Arte na Vila Madalena, para participar duma oficina literária com jovens que trabalhariam xilogravuras em cima do meu poema longo Sampoema; além de mim participam com livros de arte sobre Sampa, os premiados escritores Alberto Martins e Beatriz Bracher e, em seguida, o artista plástico e também escritor Nuno Ramos. Sampoema é poema de acúmulo, sucessão de signos da metrópole: uma reflexão sobre todo fascínio e pânico que Sampa proporciona: aquilo que chamo de poema-Google: sem fim, onde vou agregando mais e mais elementos paulistanos que se perdem ou refazem: uma ode, elegia, um canto transmoderno à Sampa de Flávio de Carvalho, Haroldo de Campos, Orides Fontella, Roberto Piva, Cláudio Willer, concretistas e beatniks, um amalgama de todas tribos, trupes e trocas nesse antro e grande vagina do planeta abrindo-se descompromissadamente ao descompassado transe.

Sampoema é um pedaço dum continuum: poemização sem pausa. Sampoema seria como os desenhos mágicos de Paulo Von Poser feitos a partir dum dirigível pelos céus da Paulicéia desvairando...

Sua obra talvez seja mais reconhecida fora de Santos do que aqui. Em que medida a internet tem ajudado nisso?
Minha obra não cabe em Santos: fui editado no Rio e Sampa, adotado por várias universidades americanas e européias, posto em antologias brasileiras e internacionais e inserido dentro da chamada Geração 00, o grupo de escritores que inovaram a Literatura Brasileira na virada e primeira década do século, como Michel Melamed, Santiago Nazarian, Lourenço Mutarelli, além de interagir com grupos estéticos de todo Brasil, como a Confraria do Vento, do Rio de Janeiro, a Revista Polichinello, do Pará, o Jornal Rascunho, do Paraná, e militar junto a Marcelino Freire, Nelson de Oliveira, Lucius de Mello, Thiago Picchi, Guilherme Zarvos, Jairo Batista Pereira por uma Alta Literatura: só moro em Santos, mas vivo na Literatura! Minha ligação com o litoral paulista não me reduz à "paroquialidade" ou "regionalismo".

Trabalho em "atopos" citando Foucault: na indeterminação que me eleva a toda parte sem me deter em lugar nenhum mesmo se sair do meu escritório, estúdio ou janela para a barra, o porto.
A internet é uma alavanca poderosa de disseminação e comunicação, visibilidade e interlocução: mas freqüento o meio literário, cultural de Sampa e Rio.

Logicamente os sites são vitrines planetárias e o e-mail me conserva antenado on-line com editores e colegas de ofício. Quem sabe não fosse a Internet eu não morasse mais em Santos? Mas a proximidade com Sampa, grande mercado editorial latino-americano, já me beneficia. Teria mais vagareza para publicar, editar e se reconhecido, mas seria inevitável estar engajado na luta literária pela persistência que em mim impõe esse esforço da escrita e da busca de leitores raros, mas preciosos. A internet abreviou o caminho, mas não diferenciou seriamente meu conteúdo e determinação. Poderia morar em lugar remoto e buscaria dar luz ao que elaboro. Santos é um acidente necessário de percurso, desterro, terra de passagem onde me fixei com momentos de amor e desprezo. Um dia, Santos e eu vamos nos encontrar. Minha prioridade, tesão, Vida é a Literatura: quem sabe ainda vá morar numa praia mais obscura do litoral norte onde piratas escondiam seus tesouros: minha pátria geográfica estende-se nessa orla entre Iguape e Paraty, – a vivência é na página em branco. Sem computador não fico: isso é básico, como ter o Mar na esquina é da minha essência.

Você é um artista ligado a diversas linguagens: às artes plásticas, à música, e até à moda - de que forma isso influencia sua obra?
Na base de minha produção em qualquer gênero está alta dose de poeticidade e efeitos semióticos, pós estruturalistas e influências da cultura pop com sofisticação formal e conteudal: o jazz, o cinema europeu e as novas expressões da pop-art, do design e do universo underground urbano. Diante da minha imagética, plasticidade e principalmente musicalidade e jogos lingüísticos-semiológicos, meus livros podem servir de suporte a outras expressões de experimentação e artes de ponta: o que ainda resta de vanguarda ou neo-transgressão e inventividade. Por trabalhar com elementos naturais com potência simbólica como o Mar e o “caosmo” urbano e estilhaçar o significado, a prosódia e a discursividade em dardos que vão dar no longínquo entendimento das coisas , alguns artistas se identificam com essa verborragia, esse êxtase e ritmo frenético-paranóico-alucinógeno-mântrico de minhas desconstruções. A minha Literatura pode vestir-se, pintar-se, musicar-se no ato de lida: é sinestésica no nascedouro do transe / trânsito / transa criativos.

Além de um escritor reconhecido nacionalmente, você também é um ativista cultural. Esta ainda é uma necessidade para que se reconheça a importância da arte e do artista?
A militância cultural, a guerrilha intelectual não são propulsores da obra: agito por ser glauberiano, acredito na práxis do artista numa sociedade onde a glamourização da cretinice tenta desqualificar o papel do pensamento engajado e a idiotização reinante propõe um anti-intelectualismo feroz, como se cultura, erudição, cultivo fossem perniciosos vícios da decadência libertária. O fervor libertário vai retomar fôlego com ausência de projetos, idéias e como antídoto ao niilismo broxa e não-contestatório: faço política cultural como Godard citando livros e livros em suas fitas ou Gore Vidal revidando mal-gosto do capitalismo em seus deliciosos romances: criar já é contestar: fazer Alta Literatura é altamente subversivo; além da criação sinto necessidade de promover artistas que sinto subestimados, proporcionar visibilidade de colegas escritores, me engajar no resgate da minha região de origem, esse ancestral Litoral paulista e sacudir as teias e panela movediças das “tchurmas” que monopolizam a Cultura, em especial, as curriolas literárias de gosto duvidoso?

“Todo silêncio é reacionário” dizia Sartre e estou aí para dar pontapé em estruturas carcomidas: para onde vai a linguagem? Onde políticas públicas para Cultura? Onde Políticas de acervo e democratização do livro? Onde acessibilidade para internet? para que Museu da Língua Portuguesa com déficit de acervos públicos e ausência de estratégia para um público leitor em tal escala e ampliação de canais de visibilidade para novos autores? Para “guerrilha cultural” urge “marketing de guerrilha” ou “anti-marketing” para furar bloqueios do “mainstream” do mercado editorial.

Sou guerrilho da literatura de conteúdo contra excesso de comercialização: Evandro Afonso Ferreira, Jualino Garcia Pessanha, Marcelo Ariel, Márcio-André, Victor Paes, Guilherme Zarvos, Michel Melamed, Nilson de Oliveira, são alguns autores que entendo dignos de serem alçados ao primeiro time da invenção contra babaquice e comercialismo ameno dum Milton Hatoum ou Cristovão Tezza. Como diz Roberto Piva: abaixo poetas broxas! Salve, salve ! poetas bruxos! Agito cultural é ofício de rua de escritores indignados além da Obra iconoclasta pela natureza e conceito: me divido entre leitura obsessiva e "gandaia" intelectual.

O que precisa ser feito para que a cultura seja mais valorizada em Santos e no País?
Cultura é além e contêm artes: o mundo já se tornou “caso” cultural e não sabe: meio ambiente, trânsito, sexo, poder, mídias, maior ou menor poder de resistência ao totalitarismo globalitário expresso pelo capitalismo “barbárico” são questões culturais. Cultura será mais importante, superior e englobará política : deixará de ser termo vago, “aviadado” ou pretensioso para denominar “cultivo” para condicionar toda ação e reflexão humanas no sentido da sobrevivência de nossa espécie. O “homo criativus” será último hominídeo : os governos, o Estado e as sociedades em todos seus níveis devem ter estratégia de "glocalização" : pensar o mundo a partir do microcosmo e pensar o cosmo a partir da realidade circundante imediata. O Brasil e Santos devem canalizar nosso inserção no mercado mundial em conjunto com Ações Culturais Afirmativas: alçar Cultura ao mesmo nível de direito universal atingido pela Educação. Arquitetura, urbanismo, tribos comportamentais, audiovisual, a ditadura da videoesfera, a sobrevivência da linguagem gráfica, os novos canais de divulgação proporcionados pela cyber-esfera, a manutenção das regionalidades em sintonia com penetração globalizante: necessárias são estratégias públicas para Cultura: proteger, reforçar e interagir culturalmente como quem se mune de submarinos nucleares e satélites estratosféricos para a guerra de conteúdo, mentalidades e afirmação cultural que vivenciaremos. Grande passo é esse: Planos, orçamentos e estratégias públicas para discutir e aprofundar todas as Culturas.

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