domingo, 25 de maio de 2008

Por Márcia Costa

O compositor Gilberto Mendes, em entrevista realizada em sua casa em 09 de maio, fala sobre a vontade de atuar em um filme, de seu novo livro de memórias e sobre o desejo de ver seu acervo acessível. Ele, que admite usar o computador apenas como máquina de escrever, provavelmente não vai ler esta entrevista.

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O compositor em cena do documentário A Odisséia Musical de Gilberto Mendes, dirigido por seu filho, Carlos Mendes

O que você observa a respeito do momento cultural em Santos? Estes investimentos ecômicos que a cidade está recebendo podem beneficiar a cultura?

Com relação aos investimentos econômicos, eu não sei o que dizer e nem estou interessado, muito menos neste petróleo que vai sujar mais o nosso mar. O que tá legal é que está havendo uma certa movimentação intelectual e artística muito boa aqui em Santos, polarizando muito na livraria Realejo, agora o Caldeira [Eduardo Caldeira] montou um novo bar, pra reviver os tempos do Bar da Praia, e há uma nova geração de escritores, como o Flávio Viegas Amoreira e vários outros da cidade ... Eu estou achando isso muito interessante. Ver pessoas de outros estados vindo morar aqui, como de Minas Gerais... é uma cidade que sempre (talvez pelas suas origens portuárias) tem o Porto como entrada de gente que chega e gente que vai para a Europa, ainda há uma tradição, vejo isso como algo muito positivo.

E quanto ao movimento musical na cidade?

O movimento musical está bastante precário. Por que nada em termos de música ajuda a cidade. Aqui, por exemplo, não tem um piano de calda, isso é uma coisa de uma vergonha inominável, uma cidade como Ribeirão Preto tem dois. Quase todas as cidades importantes do estado têm, um piano de calda é a alma de um teatro. O Teatro Coliseu, com toda a pompa da sua reinauguração, não tem.

E com relação à possibilidade de a cidade ganhar um fundo municipal de cultura? 

Não sei o que dizer porque... embora tenha feito anos um festival de música durante muito tempo, e de ter precisado pedir dinheiro... nunca tive interesse nestas coisas de dinheiro.

Mas pode ser um bom incentivo à produção cultural?

Ter estas leis, como a Rouanet... é sempre bom ter um lugar pra pegar dinheiro pra fazer arte. Vai ser bom, mas não sei o que dizer, confesso que não me interesso por isso. Minha arte não está à venda.

Você é um artista que vive há anos em Santos. O que dizer para os artistas e profissionais que querem permanecer na cidade?

Não sei o que dizer, se vale a pena ficar na cidade. Eu continuei, não me arrependo, sou muito ligado à cidade, creio que isso me dá uma certa marca, acho legal, mas não quero dizer que fiquei aqui por razões de arte, fiquei aqui por que sofro de asma, não posso morar em São Paulo, por exemplo.

Tem vontade de viver em São Paulo?

Se não tivesse asma, não tenho a menor dúvida, teria me mudado para São Paulo. Artistas ou profissionais da cultura acabam indo pra lá, para o Rio de Janeiro. Eu mesmo tentei, fui estudar lá, na Faculdade de Direito, acabei largando, por causa da própria asma, não me dou com o clima, até hoje, vou lá e volto.

O que você está produzindo no momento?

Terminei um segundo livro, mais ou menos de memória, da minha vida musical. Teve o primeiro, Uma Odisséia Musical, que é também o nome do documentário que meu filho Carlos fez sobre minhas atividades musicais. Agora que já decorram quase 15 anos, escrevi um outro, espécie de continuação, onde conto de outros eventos destes últimos 15 anos, conto as músicas que fiz, analiso, comento da vida musical que eu levo em função de todas estas músicas, as viagens ao exterior, os contatos com os músicos, tudo isso aí. E fora outras coisas que escrevo para jornais, é um pouco um livro de crônicas, discuto muito sobre arte, dicuto muito sobre arte contemporânea. E eu estou pra levar para a Edusp, que disse que vai editar.

Qual o nome do livro?

Está pra decidir, mas está polarizado em Viver sua Música. Compor lugares, sintonizar pessoas, viver sua música...

Você escreveu, registrou tudo sozinho?

Claro, agora estamos na era do computador ficou mais fácil. O meu primeiro fiz na máquina de escrever.

Tem acompanhado algum blog cultural? O que acha da internet como instrumento de difusão de informações sobre a cultura?

Deve ser excelente, mas não uso nada. O computador só uso como máquina de escrever e para correspondência. Uso até muito ressabiado, nunca fui um cara de escrever cartas, ao contrário do Mário de Andrade, então as cartas antigas quase todas que eu recebia eu não respondia, agora tem o famigerado e-mail, a gente recebe toneladas...

Você recebe muita coisa por e-mail?

Recebo muito. Sobre pesquisas, do Brasil todo, dos estados. Não respondo, se não vou passar o dia, não tem como. Um ou outro, muito relevante, eu respondo, né? Mas mesmo alguns muito relevantes, passa tanto tempo pra eu responder que quando me decido responder já se passaram três anos, já está fora de época. Não é que não goste, confesso que não tenho tempo, meu tempo é pra música, tenho que compor, escrever os meus artigos. Atendo muita gente, jornalista, estudante, pessoal que faz teses, algumas sobre mim, outros sobre outras pessoas, então o pesquisador quer conversar comigo porque eu conhecia estas pessoas. É muita tese, muita genta que vem aqui, fora o que vem por email.

E sua obra, sua memória? Vai doar para a ECA [Escola de Comunicação e Artes da USP]?

Sabe que já doei para a biblioteca da ECA? Doei porque dei aula lá durante mais de 15 anos, dei os meus originais, até aquela epoca, já fazem uns treze anos, mas já me arrependi, porque foi simplesmente guardado, não tem como fazer consulta, tirar cópia. Até aí tudo bem, não dá para tirar cópia de algo que foi editado, é ilegal, mas se for manuscrito, tudo bem. Eu me arrependo de ter deixado lá. Depois, não é um lugar dinâmico, muito aberto, tanto que daqui pra frente este trabalho que estou fazendo naõ sei onde deixar isso aí. Talvez na Unicamp, talvez no Centro Cultural São Paulo, é um lugar simpático, mas não sei se eles têm este tipo de acervo lá. Preciso perguntar, mas se tiverem, eu gostaria de ver.  Em Santos, deixar cópias disso, talvez, mas Santos ainda não tem estrutura para isso, eu acho.

O que você ainda queria fazer como artista?

Gostaria muito de atuar em um filme, mas ninguém vai querer me colocar como galã, mas serviria uma ponta como um garçon, por exemplo. 

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